sexta-feira, 21 de junho de 2013

O Dia de Portugal


Força e fraqueza do povo que somos

António Marcelino



«Engana-se o povo ou é este que se deixa enganar? Ao ver agora os condecorados e os novos comendadores, perguntava-me: Quando chega a vez da gente anónima, dos pais que criaram seis ou sete filhos, por eles se sacrificaram e os tornaram capazes de servir a sociedade? Quando se porá uma condecoração ao peito de gente anónima de aldeias do interior, que gerou solidariedade, reconciliou pessoas, sacrificou interesses pessoais para poder servir os outros?»

António Marcelino



O Dia de Portugal deu para refletir sobre o que somos como um povo, que, neste momento, parece encontrar-se em crise de identidade. Séculos atrás, o povo foi apenas uma parte da sociedade. Os grandes, em proveito próprio, dividiram a nação em “clero, nobreza e povo”. Marcaram-se escalões e dependências que, de quando em quando, vêm ao de cima, fruto de nostalgias ou prepotências. Não falta gente que se nega a ser e pertencer, como membro normal, a um povo humilde, respeitador, honesto e trabalhador. Gente nascida para mandar e dominar, não para servir.

Do norte ao sul do país, nunca foi difícil conhecer o povo ao qual Portugal, como nação, é devedor pelas suas grandes capacidades, embora também não lhe faltem limitações e fraquezas. O confronto deste povo, uma clara maioria, com os poucos que sempre se encostaram, é mais evidente, ao ver como tantos destes inúteis souberam aguardar a hora de se tornarem grandes, ainda que não passem de figuras de segunda. Desta gente nasceu uma multidão que cresceu mais do que seria de esperar, até com o favor daquele povo que se deixa encandear facilmente pelo fulgor dos que se tornaram pessoas importantes, ainda que nem sempre por mérito próprio, mas mais por influência alheia e caminhos tortuosos. Um dia estas mazelas emergem.

Hoje fala-se ainda, a torto e a direito, do povo que mais ordena, alargando o dito para o povo de uma crise que não aguenta mais, está à beira do desespero, foi enganado e explorado. Mas quem normalmente fala assim já não é do povo. Vive sem dificuldade, luta pelos privilégios próprios, de classe ou de partido. Eles que prometem ao povo mundos e fundos, depressa esquecem o que nunca pensaram dar. É neste contexto que vêm ao de cima os defeitos do povo que quem cresceu num clima de interesses sabe explorar. O povo torna-se, então, massa manobrável, dá rédeas ao individualismo e à inveja, reage por emoções, porque ninguém lhe dá razões, balanceia para o lado de quem melhor lhe sabe tocar o sentimento, perde valores morais e capacidades de reflexão e de decisão, responde à batuta de quem o utiliza, torna-se ingrato e dobra-se, subserviente, perante quem o engana e o utiliza.

O povo deixou de se conhecer a si próprio, esqueceu-se das capacidades que o levaram a enfrentar lutas e a conseguir vitórias nos tempos difíceis em que a vida comandava, os filhos a criar não permitiam que se deixasse de sonhar e de lutar; quando as fronteiras fechadas não impediam o salto, as poucas letras eram menos necessárias que a força do trabalho e a experiência das dificuldades vividas; quando o carácter resistente, a honestidade a toda a prova, a humildade no trato, a capacidade de relação e a facilidade de adaptação eram mais determinantes para vencer que os papéis oficiais e os diplomas da escola; quando na sua fé estava a sua força diária.

Ao escrever assim, não esqueço nem calo que o povo tem direitos que nunca foram reconhecidos, oportunidades que lhe foram negadas, opressões impostas por interesses. Obra esta de quem não o servia, mas se servia dele. O povo era gente anónima. Por sua iniciativa e energia, rompeu o anonimato a que havia sido sujeito. Os sempre atentos perceberam esta força e determinação e depressa se colaram ao povo que se ia libertando, tirando daí proventos imerecidos. Muitas vezes com encoberto intento dominador e outros horizontes que não os do povo que lutava por si. O regime democrático, com seus valores e oportunidades, acabou por dar mais importância aos interesses partidários que ao bem comum; o estado social passou a ser a bandeira que tudo promete e deixa para trás o que sabia não poder dar; a igualdade tornou-se miragem e palavra de comícios; os valores morais e religiosos foram denegridos pelos novos corifeus de uma cultura balizada; as aldeias encheram-se de obras de encher o olho, depressa tornadas inúteis, ficando muitas vezes sem resposta a necessidades básicas de então e de agora.

Engana-se o povo ou é este que se deixa enganar? Ao ver agora os condecorados e os novos comendadores, perguntava-me: Quando chega a vez da gente anónima, dos pais que criaram seis ou sete filhos, por eles se sacrificaram e os tornaram capazes de servir a sociedade? Quando se porá uma condecoração ao peito de gente anónima de aldeias do interior, que gerou solidariedade, reconciliou pessoas, sacrificou interesses pessoais para poder servir os outros?

A crise que se vive, aqui e além fronteiras, condicionada por sistemas económicos, é fruto da destruição dos valores do povo e da família, da alteração dos horizontes da vida real, da prioridade dada ao ter, ao poder e ao gozar, em detrimento da verdade da solidariedade e da justiça. Quem vai tirar o país do buraco onde o enterraram? O povo, quando um dia sacudir os intrusos, vai voltar à consciência das suas capacidades, ultrapassar os seus defeitos, desviar do caminho os que dele se aproveitam e gritar, calando as vozes que dizem falar em seu nome, que é ele quem manda em si e traça o seu destino. O povo que somos é capaz de o fazer. E esse dia não tardará.

Etiquetas

A Alegria do Amor A. M. Pires Cabral Abbé Pierre Abel Resende Abraham Lincoln Abu Dhabi Acácio Catarino Adelino Aires Adérito Tomé Adília Lopes Adolfo Roque Adolfo Suárez Adriano Miranda Adriano Moreira Afonso Henrique Afonso Lopes Vieira Afonso Reis Cabral Afonso Rocha Agostinho da Silva Agustina Bessa-Luís Aida Martins Aida Viegas Aires do Nascimento Alan McFadyen Albert Camus Albert Einstein Albert Schweitzer Alberto Caeiro Alberto Martins Alberto Souto Albufeira Alçada Baptista Alcobaça Alda Casqueira Aldeia da Luz Aldeia Global Alentejo Alexander Bell Alexander Von Humboldt Alexandra Lucas Coelho Alexandre Cruz Alexandre Dumas Alexandre Herculano Alexandre Mello Alexandre Nascimento Alexandre O'Neill Alexandre O’Neill Alexandrina Cordeiro Alfred de Vigny Alfredo Ferreira da Silva Algarve Almada Negreiros Almeida Garrett Álvaro de Campos Álvaro Garrido Álvaro Guimarães Álvaro Teixeira Lopes Alves Barbosa Alves Redol Amadeu de Sousa Amadeu Souza Cardoso Amália Rodrigues Amarante Amaro Neves Amazónia Amélia Fernandes América Latina Amorosa Oliveira Ana Arneira Ana Dulce Ana Luísa Amaral Ana Maria Lopes Ana Paula Vitorino Ana Rita Ribau Ana Sullivan Ana Vicente Ana Vidovic Anabela Capucho André Vieira Andrea Riccardi Andrea Wulf Andreia Hall Andrés Torres Queiruga Ângelo Ribau Ângelo Valente Angola Angra de Heroísmo Angra do Heroísmo Aníbal Sarabando Bola Anselmo Borges Antero de Quental Anthony Bourdin Antoni Gaudí Antónia Rodrigues António Francisco António Marcelino António Moiteiro António Alçada Baptista António Aleixo António Amador António Araújo António Arnaut António Arroio António Augusto Afonso António Barreto António Campos Graça António Capão António Carneiro António Christo António Cirino António Colaço António Conceição António Correia d’Oliveira António Correia de Oliveira António Costa António Couto António Damásio António Feijó António Feio António Fernandes António Ferreira Gomes António Francisco António Francisco dos Santos António Franco Alexandre António Gandarinho António Gedeão António Guerreiro António Guterres António José Seguro António Lau António Lobo Antunes António Manuel Couto Viana António Marcelino António Marques da Silva António Marto António Marujo António Mega Ferreira António Moiteiro António Morais António Neves António Nobre António Pascoal António Pinho António Ramos Rosa António Rego António Rodrigues António Santos Antonio Tabucchi António Vieira António Vítor Carvalho António Vitorino Aquilino Ribeiro Arada Ares da Gafanha Ares da Primavera Ares de Festa Ares de Inverno Ares de Moçambique Ares de Outono Ares de Primavera Ares de verão ARES DO INVERNO ARES DO OUTONO Ares do Verão Arestal Arganil Argentina Argus Ariel Álvarez Aristides Sousa Mendes Aristóteles Armando Cravo Armando Ferraz Armando França Armando Grilo Armando Lourenço Martins Armando Regala Armando Tavares da Silva Arménio Pires Dias Arminda Ribau Arrais Ançã Artur Agostinho Artur Ferreira Sardo Artur Portela Ary dos Santos Ascêncio de Freitas Augusto Gil Augusto Lopes Augusto Santos Silva Augusto Semedo Austen Ivereigh Av. José Estêvão Avanca Aveiro B.B. King Babe Babel Baltasar Casqueira Bárbara Cartagena Bárbara Reis Barra Barra de Aveiro Barra de Mira Bartolomeu dos Mártires Basílio de Oliveira Beatriz Martins Beatriz R. Antunes Beijamim Mónica Beira-Mar Belinha Belmiro de Azevedo Belmiro Fernandes Pereira Belmonte Benjamin Franklin Bento Domingues Bento XVI Bernardo Domingues Bernardo Santareno Bertrand Bertrand Russell Bestida Betânia Betty Friedan Bin Laden Bismarck Boassas Boavista Boca da Barra Bocaccio Bocage Braga da Cruz Bragança-Miranda Bratislava Bruce Springsteen Bruto da Costa Bunheiro Bussaco Butão Cabral do Nascimento Camilo Castelo Branco Cândido Teles Cardeal Cardijn Cardoso Ferreira Carla Hilário de Almeida Quevedo Carlos Alberto Pereira Carlos Anastácio Carlos Azevedo Carlos Borrego Carlos Candal Carlos Coelho Carlos Daniel Carlos Drummond de Andrade Carlos Duarte Carlos Fiolhais Carlos Isabel Carlos João Correia Carlos Matos Carlos Mester Carlos Nascimento Carlos Nunes Carlos Paião Carlos Pinto Coelho Carlos Rocha Carlos Roeder Carlos Sarabando Bola Carlos Teixeira Carmelitas Carmelo de Aveiro Carreira da Neves Casimiro Madaíl Castelo da Gafanha Castelo de Pombal Castro de Carvalhelhos Catalunha Catitinha Cavaco Silva Caves Aliança Cecília Sacramento Celso Santos César Fernandes Cesário Verde Chaimite Charles de Gaulle Charles Dickens Charlie Hebdo Charlot Chave Chaves Claudete Albino Cláudia Ribau Conceição Serrão Confraria do Bacalhau Confraria dos Ovos Moles Confraria Gastronómica do Bacalhau Confúcio Congar Conímbriga Coreia do Norte Coreia do Sul Corvo Costa Nova Couto Esteves Cristianísmo Cristiano Ronaldo Cristina Lopes Cristo Cristo Negro Cristo Rei Cristo Ressuscitado D. Afonso Henriques D. António Couto D. António Francisco D. António Francisco dos Santos D. António Marcelino D. António Moiteiro D. Carlos Azevedo D. Carlos I D. Dinis D. Duarte D. Eurico Dias Nogueira D. Hélder Câmara D. João Evangelista D. José Policarpo D. Júlio Tavares Rebimbas D. Manuel Clemente D. Manuel de Almeida Trindade D. Manuel II D. Nuno D. Trump D.Nuno Álvares Pereira Dalai Lama Dalila Balekjian Daniel Faria Daniel Gonçalves Daniel Jonas Daniel Ortega Daniel Rodrigues Daniel Ruivo Daniel Serrão Daniela Leitão Darwin David Lopes Ramos David Marçal David Mourão-Ferreira David Quammen Del Bosque Delacroix Delmar Conde Demóstenes

Arquivo do blogue

Arquivo do blogue