“Amai-vos como eu vos amei”
é atitude que inclui todas as outras atitudes humanas
Esta recomendação é feita por Jesus e tem “sabores” muito ricos e plurais: mandamentos novo, testamento vital, espelho do amor mútuo a Deus seu Pai, núcleo fundamental e dinamismo permanente da comunidade cristã, credencial do testemunho dos discípulos, força e imperativo de humanização qualificada de toda a sociedade. Os momentos cruciais da vida de Jesus entram na “recta” final. É hora de abertura total, de confidências, de comunicação de “últimas” vontades. E o amor surge com toda a sua energia e amplitude. É um amor de entrega, de serviço, de perdão. A atestá-lo está a ceia de despedida, o lava-pés, o episódio de Judas.
A recomendação feita comporta uma dupla novidade: ser discípulo é viver um amor recíproco, amor este que realiza, a seu modo, o próprio amor de salvação que Jesus irradia na sua missão. “Amai-vos” porque é a forma única de viverdes o amor que me tendes e que eu recebi de meu Pai. Este “vos” configura-se em muitos rostos humanos, dos quais se destacam o amor conjugal e familiar, as relações fraternas no seio da comunidade cristã que celebra a eucaristia. A “seiva” vitalizadora de todas as configurações é sempre o amor, amor de doação e de entrega.
A história regista abundantes exemplos de homens e mulheres que fizeram da sua vida o projecto mobilizador do amor. Valha, a título de ilustração, o testemunho de Dom Hélder Câmara, bispo brasileiro, que relata a sua vocação a partir da conversa com o pai que era maçon. Hélder alimentava o sonho de ser padre desde muito novo. Um dia resolve dizê-lo ao pai que não se opõe, mas lhe faz algumas perguntas esclarecedoras: “Tu queres ser sacerdote? Mas sabes o que é que isso quer dizer? Padre e egoísmo não podem andar juntos: o padre é alguém que deve dar-se, dar-se sempre. Estás disposto a ser assim?”. Ele responde: “Mas é precisamente assim que eu quero ser!”. E acrescenta Dom Hélder, agora bispo: “Mais, para que serve o cristão senão para se dar?!”. A sua resposta clara e decidida leva-o a assumir atitudes coerentes em todas as situações de vida.
O cristão está chamado a dar-se, sobretudo no amor conjugal, familiar. Esta vocação provém da fonte que é Deus, o criador da natureza, da cultura e educação que encaminham a energia humana de atracção mútua e de apoio pessoal, da fé cristã que descobre e aprecia no matrimónio o apelo à colaboração com Deus na obra da realização pessoal e da transmissão da vida e de serviço à humanidade.
Afirmam os nossos bispos em recente mensagem sobre ‘a força da família em tempos de crise’: “A família é o santuário da vida e do amor, lugar da manifestação de «uma grande ternura, que não é a virtude dos fracos, antes pelo contrário denota fortaleza de ânimo e capacidade de solicitude, de compaixão, de verdadeira abertura ao outro, de amor. Não devemos ter medo da bondade, da ternura»” (Papa Francisco).
“Amai-vos como eu vos amei” é atitude que inclui todas as outras atitudes humanas: de justiça e verdade, de tolerância e respeito pela diversidade, mas pode ter de as superar como Jesus nos deixa no exemplo da sua vida. O perdão constitui, sem dúvida, a prova mais qualificada e expressiva.
Georgino Rocha