sábado, 22 de dezembro de 2012

A Caminho do Natal - 21


E o Natal aconteceu…




Aquela pequena aldeia no sopé da montanha parecia uma pequena cidade. Ficava no fim da estrada que vinha de longe logo após a ponte que atravessava o pequeno rio, tendo como pano de fundo a alta montanha coberta de árvores com resquícios da neve acumulada durante a noite.
Inspirava uma certa quietude a quem se aproximava, começando por ver a torre da igreja num ponto mais alto e depois o fumo que saía de algumas chaminés nestes dias de fim de Outono.
Embora pequena, possuía muitas das comodidades de uma cidade, ainda que em ponto mais pequeno: a igrejinha era como uma pequena catedral, a escola primária, o salão de festas, o campo de jogos, a filarmónica, o grupo de teatro e o clube desportivo.
Era também muito orgulhosa das suas tradições que ia relembrando através do ano, mas o que empolgava deveras toda a população era o Auto de Natal levado à cena pelos alunos da escola, anualmente no início das férias desta quadra, que o representavam no salão de festas. Era rara a família que não tinha um pequeno actor envolvido e à medida que o Natal se ia aproximando começavam a conjecturar quem iria representar quem.

Este ano a ansiedade era maior. Estaria a jovem professora, chegada no início do ano lectivo, à altura de tal responsabilidade? Logo que chegou à aldeia foi posta ao corrente da sua esperada colaboração como ensaiadora do nobre espectáculo que encerraria o primeiro período de aulas. Não podia falhar!
Os dias foram correndo e quando se aproximava o início dos ensaios, Simão, um dos alunos, segredou à professora com quem ficava só, no final da aula, enquanto limpava o quadro preto:


— Eu não me importo de não participar no Auto de Natal.
A professora não disse nada, não estava preparada para isso. Simão era um dos alunos mais velhos e o maior da escola. Porque o tamanho lho permitia ofereceu-se para limpar o quadro no final das aulas. Era adorado por todos os colegas que o viam como um protector nas brincadeiras da escola. Cá fora era estimado pela população a quem ele devotava toda a sua simpatia ajudando às vezes em pequenas tarefas. Alguns cães vadios esperavam-no à saída da escola com quem ele repartia o resto do lanche. Enfim, Simão era a bondade em pessoa. Mas nunca tinha participado no Auto de Natal. Simão aprendia como os outros, mas mais devagar. O seu talento era outro. Ao dirigir-se à professora naquele dia apenas queria facilitar-lhe a opção na escolha dos participantes no Auto. Gostava dela e queria facilitar-lhe as escolhas.
No dia seguinte, enquanto limpava o quadro a professora disse-lhe:
— Simão, conto contigo para uma intervenção no Auto de Natal. Vais ser o Estalajadeiro. O teu colega que fazia esse papel já terminou a escola e tu vais substitui-lo.
O coração de Simão deu um salto no seu peito. Tinha uma boa notícia para dizer aos pais quando chegasse a casa. A simpatia que nutria pela professora não era infundada.

E o dia de início dos ensaios na escola chegou. Tudo corria de feição: a maior parte dos alunos repetia os papéis de anos anteriores e de um modo geral todos conheciam o Auto de cor. Simão surgia quase no fim e repetia as palavras que estava habituado a ouvir em anos anteriores. Entretanto no salão de festas, depois das horas de trabalho os adultos iam montando o cenário. Tudo se preparava para o grande dia que terminaria com a ceia comunitária no fim da representação do Auto de Natal.



Chegou o último dia de aulas e com ele a representação do Auto. Jovens e adultos cada vez mais excitados à medida que se aproximava a hora. Os participantes já vestidos com os trajes adequados às cenas adquiriam a pose da responsabilidade que lhes era pedida. Simão era o mais feliz de todos. O rebuliço no Salão de Festas sossegou e o Auto começou à hora marcada. A professora exibia algum nervosismo pela tarefa de que havia sido incumbida. As cenas foram decorrendo com ovações sucessivas no final de cada uma. Aguardava-se a cena de mais um principiante: Simão.
José e Maria, esta montada num pequeno jumento, chegam à última estalagem do lugar. José bate à porta e surge o estalajadeiro. José pretende pernoitar com Maria que está grávida e cansada. O estalajadeiro impávido anuncia:
— Não pode ser, estamos cheios.
Habituado ao ritual o jumento nem espera pela ordem de marcha e avança a caminho da cena seguinte. O estalajadeiro entra mas regressa de novo banhado em lágrimas. Simão esquecera-se que estava a representar e grita: 
— Esperem não vão embora. Estamos cheios mas vocês podem ficar no meu quarto.
Aflita a professora deita as mãos à cabeça. Mas a preocupação foi momentânea. A sala levanta-se em ovação e alguns adultos correm para o palco abraçando Simão. O jumento olha para trás ficando por momentos perplexo. Este ano o seu papel seria mais curto.

Seguiu-se a ceia um pouco mais cedo. Sem saber porquê Simão era o alvo das atenções.
A professora de vez em quando deitava-lhe o olhar e chorava. Mas eram lágrimas de felicidade. O Natal acontecera vindo do coração de uma criança.


(Dedicado a alguns anjos como o Simão que habitam entre nós.)

João Marçal

Natal de 2012.

Etiquetas

A Alegria do Amor A. M. Pires Cabral Abbé Pierre Abel Resende Abraham Lincoln Abu Dhabi Acácio Catarino Adelino Aires Adérito Tomé Adília Lopes Adolfo Roque Adolfo Suárez Adriano Miranda Adriano Moreira Afonso Henrique Afonso Lopes Vieira Afonso Reis Cabral Afonso Rocha Agostinho da Silva Agustina Bessa-Luís Aida Martins Aida Viegas Aires do Nascimento Alan McFadyen Albert Camus Albert Einstein Albert Schweitzer Alberto Caeiro Alberto Martins Alberto Souto Albufeira Alçada Baptista Alcobaça Alda Casqueira Aldeia da Luz Aldeia Global Alentejo Alexander Bell Alexander Von Humboldt Alexandra Lucas Coelho Alexandre Cruz Alexandre Dumas Alexandre Herculano Alexandre Mello Alexandre Nascimento Alexandre O'Neill Alexandre O’Neill Alexandrina Cordeiro Alfred de Vigny Alfredo Ferreira da Silva Algarve Almada Negreiros Almeida Garrett Álvaro de Campos Álvaro Garrido Álvaro Guimarães Álvaro Teixeira Lopes Alves Barbosa Alves Redol Amadeu de Sousa Amadeu Souza Cardoso Amália Rodrigues Amarante Amaro Neves Amazónia Amélia Fernandes América Latina Amorosa Oliveira Ana Arneira Ana Dulce Ana Luísa Amaral Ana Maria Lopes Ana Paula Vitorino Ana Rita Ribau Ana Sullivan Ana Vicente Ana Vidovic Anabela Capucho André Vieira Andrea Riccardi Andrea Wulf Andreia Hall Andrés Torres Queiruga Ângelo Ribau Ângelo Valente Angola Angra de Heroísmo Angra do Heroísmo Aníbal Sarabando Bola Anselmo Borges Antero de Quental Anthony Bourdin Antoni Gaudí Antónia Rodrigues António Francisco António Marcelino António Moiteiro António Alçada Baptista António Aleixo António Amador António Araújo António Arnaut António Arroio António Augusto Afonso António Barreto António Campos Graça António Capão António Carneiro António Christo António Cirino António Colaço António Conceição António Correia d’Oliveira António Correia de Oliveira António Costa António Couto António Damásio António Feijó António Feio António Fernandes António Ferreira Gomes António Francisco António Francisco dos Santos António Franco Alexandre António Gandarinho António Gedeão António Guerreiro António Guterres António José Seguro António Lau António Lobo Antunes António Manuel Couto Viana António Marcelino António Marques da Silva António Marto António Marujo António Mega Ferreira António Moiteiro António Morais António Neves António Nobre António Pascoal António Pinho António Ramos Rosa António Rego António Rodrigues António Santos Antonio Tabucchi António Vieira António Vítor Carvalho António Vitorino Aquilino Ribeiro Arada Ares da Gafanha Ares da Primavera Ares de Festa Ares de Inverno Ares de Moçambique Ares de Outono Ares de Primavera Ares de verão ARES DO INVERNO ARES DO OUTONO Ares do Verão Arestal Arganil Argentina Argus Ariel Álvarez Aristides Sousa Mendes Aristóteles Armando Cravo Armando Ferraz Armando França Armando Grilo Armando Lourenço Martins Armando Regala Armando Tavares da Silva Arménio Pires Dias Arminda Ribau Arrais Ançã Artur Agostinho Artur Ferreira Sardo Artur Portela Ary dos Santos Ascêncio de Freitas Augusto Gil Augusto Lopes Augusto Santos Silva Augusto Semedo Austen Ivereigh Av. José Estêvão Avanca Aveiro B.B. King Babe Babel Baltasar Casqueira Bárbara Cartagena Bárbara Reis Barra Barra de Aveiro Barra de Mira Bartolomeu dos Mártires Basílio de Oliveira Beatriz Martins Beatriz R. Antunes Beijamim Mónica Beira-Mar Belinha Belmiro de Azevedo Belmiro Fernandes Pereira Belmonte Benjamin Franklin Bento Domingues Bento XVI Bernardo Domingues Bernardo Santareno Bertrand Bertrand Russell Bestida Betânia Betty Friedan Bin Laden Bismarck Boassas Boavista Boca da Barra Bocaccio Bocage Braga da Cruz Bragança-Miranda Bratislava Bruce Springsteen Bruto da Costa Bunheiro Bussaco Butão Cabral do Nascimento Camilo Castelo Branco Cândido Teles Cardeal Cardijn Cardoso Ferreira Carla Hilário de Almeida Quevedo Carlos Alberto Pereira Carlos Anastácio Carlos Azevedo Carlos Borrego Carlos Candal Carlos Coelho Carlos Daniel Carlos Drummond de Andrade Carlos Duarte Carlos Fiolhais Carlos Isabel Carlos João Correia Carlos Matos Carlos Mester Carlos Nascimento Carlos Nunes Carlos Paião Carlos Pinto Coelho Carlos Rocha Carlos Roeder Carlos Sarabando Bola Carlos Teixeira Carmelitas Carmelo de Aveiro Carreira da Neves Casimiro Madaíl Castelo da Gafanha Castelo de Pombal Castro de Carvalhelhos Catalunha Catitinha Cavaco Silva Caves Aliança Cecília Sacramento Celso Santos César Fernandes Cesário Verde Chaimite Charles de Gaulle Charles Dickens Charlie Hebdo Charlot Chave Chaves Claudete Albino Cláudia Ribau Conceição Serrão Confraria do Bacalhau Confraria dos Ovos Moles Confraria Gastronómica do Bacalhau Confúcio Congar Conímbriga Coreia do Norte Coreia do Sul Corvo Costa Nova Couto Esteves Cristianísmo Cristiano Ronaldo Cristina Lopes Cristo Cristo Negro Cristo Rei Cristo Ressuscitado D. Afonso Henriques D. António Couto D. António Francisco D. António Francisco dos Santos D. António Marcelino D. António Moiteiro D. Carlos Azevedo D. Carlos I D. Dinis D. Duarte D. Eurico Dias Nogueira D. Hélder Câmara D. João Evangelista D. José Policarpo D. Júlio Tavares Rebimbas D. Manuel Clemente D. Manuel de Almeida Trindade D. Manuel II D. Nuno D. Trump D.Nuno Álvares Pereira Dalai Lama Dalila Balekjian Daniel Faria Daniel Gonçalves Daniel Jonas Daniel Ortega Daniel Rodrigues Daniel Ruivo Daniel Serrão Daniela Leitão Darwin David Lopes Ramos David Marçal David Mourão-Ferreira David Quammen Del Bosque Delacroix Delmar Conde Demóstenes

Arquivo do blogue

Arquivo do blogue