LUTO(S). AS LÁGRIMAS DE DEUS
Anselmo Borges
Como escrevi aqui no Sábado passado, o luto é dor pela perda, principalmente pela morte de alguém. Há muitos tipos de perda, mas a perda principal é a morte. Quanto mais fortes forem os laços com alguém maior a dor e o luto, que pode considerar-se o outro lado do amor.
O luto, excepto quando não houve o trabalho sadio do luto e, assim, se tornou patológico, não é, pois, uma doença, mas tão-só a expressão da dor pela morte de alguém significativo.
Trata-se de uma dor que afecta as múltiplas dimensões do ser: física, psíquica, espiritual, social, sendo, por isso, a reacção à perda igualmente variada: choque, negação, tristeza, depressão, culpabilização, raiva, ansiedade, desinteresse pela vida quotidiana, fadiga, desamparo, com expressões físicas, como perturbações do sono, problemas gástricos, sensação de vazio físico e psíquico...
Há vários tipos de luto. Pode ser antecipado: face à perda iminente de alguém. Há o luto caracterizado como ambíguo: pense-se no caso da perda por ocasião de um rapto e se ignora se a pessoa está viva ou morta ou no caso de se viver em presença de uma pessoa com Alzeihmer: ela ainda está viva e já está "morta". Há lutos mais complicados, porque não são ou podem não ser reconhecidos: pense-se no caso dos homossexuais, que perdem o/a companheiro/a, ou dos que perdem o/a "amante". Há lutos retardados: não foram feitos no devido tempo, e lutos crónicos: as pessoas nunca mais enterram os seus mortos e as energias ficam todas fixadas no passado, instalando-se a incapacidade de reintegração na sociedade e reinvestimento na vida que continua. Há lutos encobertos: o luto não foi elaborado em termos sadios e manifesta-se de modo mascarado, por exemplo, numa doença pela qual, inconscientemente, se quer chamar a atenção. Para a morte de um filho nem há nome: quem perde o pai ou a mãe fica órfão, o viúvo ou a viúva perderam a mulher ou o marido; mas que nome se dá ao pai ou à mãe que perderam um/a filho/a?
No luto, elabora-se a dor e aprende-se a pensar sem culpa sobre a perda, a exprimir sentimentos e a partilhá-los. É uma resposta física, emocional, cognitiva, social e espiritual a uma perda significativa.
O que se pretende é o caminho da aceitação da realidade - superar a negação, aceitar a morte como morte. Mesmo que possa haver alucinações, é preciso compreender e aceitar que a morte é morte e que o morto nunca mais regressa a este mundo. Por outro lado, dar expressão aos sentimentos e partilhá-los: nomear o que se sente. Os sentimentos não são morais, lembra o especialista José Carlos Bermejo - este texto é devedor a um Simpósio sobre o tema, organizado em Ponta Delgada pelo Padre Paulo Borges, no qual também participou.
Outro objectivo: adaptar-se ao ambiente em que o defunto já não está, o que implica a capacidade de, com o tempo, desmontar os lugares e as coisas do morto: é preciso fazer as pazes com os espaços do outro definitivamente ausente, e compreender que é necessário investir noutras realidades - investir energia emotiva noutras tarefas e relações. Pode-se de novo viajar, sorrir, viver a vida.
O caso das crianças é especial. Não se deve mentir, dizendo, por exemplo, que a pessoa querida foi viajar, pois isso significaria que a abandonou, mas deve-se perguntar pelas suas preocupações, fomentar o diálogo e a recordação, ouvi-las, permitir a participação em rituais, explicando e dirigindo-se expressamente a elas. Dizer claramente que se não compreende. Apresentar a natureza, onde também se morre, como comparação.
O luto é um processo, que pode durar 6 meses e pode ir até 1-2 anos. Os rituais - velório, enterro, cremação - têm papel decisivo. A religião pode ser uma ajuda fundamental, na medida em que vem em auxílio com a fé no Deus da Vida contra a morte.
E aí estão as pessoas, com a capacidade de acompanhar a pessoa enlutada, sabendo ouvi-la ou estar em silêncio, indo ao encontro das suas necessidades, deixando-a falar e chorar. Diz a tradição judaica que, quando Deus viu a tristeza de Adão e Eva, após a expulsão do paraíso, lhes deu as lágrimas como consolação. E no Talmude também se fala das lágrimas de Deus.