Texto e fotos de Jorge Pires Ferreira,
no "Timoneiro" de maio
Vista geral do monumento
Porquê uma estrela, um triângulo e um olho?
Os símbolos da Rotunda do Centenário da Gafanha da Nazaré têm provocado algumas interrogações em diversas pessoas. As dúvidas não surgem, claro está, em relação ao bacalhau desenhado pela escultura de Albano Martins, nem às ondas feitas de pedra de calçada ou quanto ao casco da antiga embarcação “Novos Mares”. Surgem por causa da estrela, do triângulo e olho dentro do triângulo. E não faltam interpretações esotéricas e maçónicas. É evidente que, no campo das interpretações, cada um toma a que quer, mesmo que errada e descabida. E a partir do momento em que alguém torna público uma obra, deixa de ser dono do que possam pensar ou dizer sobre ela, mesmo que isso não se adeque ao que os autores pensaram e ao seu sentido mais profundo. No dia da inauguração, 31 de agosto de 2011, por sinal, o presidente da Câmara Municipal disse: “A arte é como todas as coisas na vida; cada um tem a sua opinião e todas as opiniões são respeitáveis” (Timoneiro de setembro de 2011). Todas são respeitáveis. Especialmente quando o erro é evidente.
Vejamos, então, o que significam os dois símbolos
Estrela
A estrela é símbolo de Nossa Senhora, que, entre muitos dos seus títulos tem o de “Estrela do Mar”. Há muitas histórias sobre a origem deste título mas quase todas coincidem neste ponto: o apoio e proteção que os homens do mar (e certamente mulheres) sentem em Maria, que era de Nazaré, e que hoje é mãe de todos os irmãos em Jesus Cristo. Curiosamente, bem perto do Monumento do Centenário fica o “Stella Maris”, obra da Igreja católica para o apostolado do mar. “Stella Maris” é isso mesmo, “Estrela do Mar”, em latim. E em setembro, passa na ria, bem perto do monumento, a procissão marítima da Senhora dos Navegantes, que é a “Estrela do Mar”. Finalmente, a mesma estrela, que entra no brasão da paróquia (ver capa do Timoneiro, no topo, do lado esquerdo), foi “plantada” no relvado da igreja matriz, em 31 de agosto de 2010, juntamente com outros símbolos da paróquia.
Note-se que, embora hoje, saudavelmente, Estado e Igreja estejam separados, no final da monarquia tal separação ainda não se tinha dado, pelo que a criação da paróquia implicou a criação da freguesia em simultâneo. Por isso mesmo, as comemorações do centenário aliaram instituições religiosas (Paróquia e Diocese de Aveiro) e civis (Junta de Freguesia da Gafanha da Nazaré e Câmara Municipal de Ílhavo). Justifica-se assim que os símbolos religiosos apareçam num monumento financiado pela Câmara Municipal de Ílhavo.
Triângulo e olho
O triângulo e o olho são símbolos cristãos, com séculos de existência. O triângulo é, digamos, uma metáfora ou comparação para falar de Deus enquanto unidade (um só Deus, o triângulo) e comunidade (três pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo, os três lados). As comparações e os exemplos são sempre mancos quando se trata de falar do divino, pelo que devem ser usados com ressalva, sabendo do seu carácter relativo, sempre insuficiente. Muitas outras tentativas houve e há para explicar como é que Deus, sendo único, é três Pessoas. O triângulo é das mais comuns, desde a Alta Idade Média. Tão comum que, mais tarde, foi apropriado pela maçonaria, nos séculos XVII e XVIII, já que triangular é o frontispício do Templo. Os maçons – também conhecidos por pedreiros-livres – embora tenham surgido no séc. XVII, gostam de dizer que na origem da organização estão os pedreiros das catedrais medievais e mesmo os que construíram o primeiro templo de Jerusalém (ou de Salomão), no séc. XI a.C.!
O olho dentro do triângulo, chamado “Olha da Providência”, lembra a omnisciência divina e, como nome indica, a providência de Deus. Deus, que tudo vê, sabe do que precisam os seus filhos, como afirmava Jesus: “O vosso Pai celeste bem sabe que tendes necessidade de tudo isso [comer, beber, vestir…]. Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo” (Lc 6,33). Uma passagem do Antigo Testamento ajuda a perceber o sentido da Providência: “Os olhos do Senhor estão sobre os que o amam; Ele é um poderoso protetor, um sólido apoio, um abrigo contra o calor, uma proteção contra o ardor do meio dia, um sustentáculo contra o tropeção, um amparo contra queda” (Sir 34,16).
Símbolo da unidade e da trindade de Deus
O triângulo (com ou sem olho) encontra-se em muitas igrejas católicas, mas tal não impediu – nem impede – que seja usado por outras organizações como a maçonaria e, por via disso, tenha entrado, por exemplo, nas notas de dólar. Mas não haja dúvidas. Na origem, triângulo e olho são símbolos cristãos. Significam, por um lado, unidade e trindade de Deus e, por outro, a proteção divina.
Quem entra na Gafanha da Nazaré é, assim, acolhido por dois símbolos da confiança em Nossa Senhora e em Deus. Aliados aos outros símbolos do monumento, falam da história da nossa terra. Para quem tem fé, são ainda um sinal de que também esta terra é abençoada por Deus.