Texto de Anselmo Borges
Significativamente, os mestres religiosos foram advertindo particularmente contra a ganância, que leva à corrupção, à opressão, à injustiça, à violência e à morte.
Ficam aí, a título de exemplo, três textos famosos do Evangelho segundo Lucas e São Mateus. Não se esqueça que Mateus sabia bem do que falava, pois tinha sido chefe de cobradores de impostos.
1. A primeira parábola é a do administrador infiel. Um homem rico tinha um administrador, que foi denunciado por ter dissipado os seus bens. Chamado a prestar contas e percebendo que ia ser demitido, reflectiu: "Que farei, visto que o meu patrão me tira o emprego? Lavrar a terra? Não posso. Mendigar? Tenho vergonha. Já sei o que vou fazer, para que haja quem me receba em sua casa, quando for despedido. Chamou, pois, separadamente, a cada um dos devedores do seu patrão e perguntou ao primeiro: Quanto deves? Ele respondeu: Cem medidas de azeite. Disse-lhe: Toma a tua conta, senta-te depressa e escreve: cinquenta. Depois, perguntou ao outro: Tu, quanto deves? Respondeu: Cem medidas de trigo. Disse-lhe o administrador: Toma os teus papéis e escreve oitenta."
Quando se olha para o descalabro de bancos, défices brutais em obras públicas, corrupções em cadeia, conhecidas e desconhecidas, somos levados a perguntar quantas vezes esta parábola se tornou realidade entre nós. Até sem papéis.
2. A segunda parábola é a dos talentos. A um foram dados cinco talentos - talento era uma unidade monetária. E ele, negociando, ganhou outros cinco. O que recebeu dois ganhou outros dois. O que recebeu apenas um, foi cavar a terra e escondeu o dinheiro do seu senhor.
Quando o senhor voltou, prestaram contas. E os que tinham recebido cinco e dois talentos ouviram a sentença: "Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel no pouco, confiar-te-ei muito. Vem regozijar-te com o teu senhor." Mas o que recebeu um só talento disse: "Senhor, sabia que és um homem duro, que colhes onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste. Por isso, tive medo e fui esconder o teu talento na terra. Aqui está, toma o que te pertence." Sentença do senhor: "Servo mau e preguiçoso! Sabias que colho onde não semeio e que recolho onde não espalhei. Devias, pois, levar o meu dinheiro ao banco e, à minha volta, eu receberia com os juros o que é meu. Tirai-lhe este talento e dai-o ao que tem dez."
E seguem-se estas palavras terríveis: "Ao que tem dar-se-á e terá em abundância. Mas ao que não tem até o que tem lhe será tirado."
Ora, não é esta a lógica da Banca? Não se trata, evidentemente, de modo nenhum, de legitimar a preguiça e a inépcia. Mas não é uma constatação: os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres? Aí está o que os sociólogos denominam, precisamente a partir da parábola, o "efeito de Mateus": quem leu mais em criança tem mais possibilidades em adulto; com trabalhos e resultados iguais, os cientistas mais famosos serão mais citados do que os menos famosos; quem mais tem, em princípio, aumentará constantemente a sua riqueza.
3. Mas, no Evangelho, depois destas parábolas, vem o Juízo Final. Do que se trata é de revelar o essencial da história do mundo, na perspectiva de Deus. E o decisivo não são actos de culto, mas a justiça e a solidariedade : "Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado, porque tive fome e destes-me de comer; tive sede e destes-me de beber; era peregrino e acolhestes-me; nu e vestistes-me; enfermo e visitastes-me; estava na prisão e viestes ver-me."
Os justos não sabiam: "Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber, peregrino e te acolhemos, nu e te vestimos, enfermo ou na prisão e te fomos visitar?" E Cristo: "Todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos foi a mim mesmo que o fizestes." O que se faz ao outro é feito a Cristo.
Entretanto, parece confirmar- -se cada vez mais o "efeito de Mateus": não está o fosso entre os ricos e os pobres cada vez mais fundo? Cuidado! A situação pode tornar-se explosiva.