Texto de Anselmo Borges, no DN
São Malaquias
O anúncio delirante do fim do mundo no próximo dia 21 de Dezembro, traz consigo, sempre de novo, o Apocalipse, o último livro da Bíblia.
Quem nunca viu um filme referente ao Apocalipse? Quem nunca ouviu falar da besta, do dragão, da mulher do Apocalipse, do número 666? Quando se quer aludir a catástrofes, horrores, guerras, fim do mundo, lá vem o adjectivo tenebroso "apocalíptico".
Quem quiser uma informação rápida, científica e séria, consulte as páginas que lhe dedica o padre Carreira das Neves, o nosso melhor exegeta, na obra que escreveu a meu pedido sobre a Bíblia: O que é a Bíblia. A título de exemplo, lá encontrará a explicação para os números: 3 é um número perfeito e o número de Deus; 3+4=7 ou 3x4=12, para simbolizar a plenitude (os dias da criação ou a aliança de Deus, respectivamente), os 144000 assinalados são o múltiplo de 3x4x12x1000 - 1000 é o símbolo da universalidade - e simbolizam o novo povo de Deus. Em sentido contrário, a metade destes números só pode significar o não--tempo de Deus e a sua não-aliança, como é o caso de três e meio e de seis. Assim, 666 é o número da besta, um símbolo numérico do nome e título de Domiciano como imperador. A mulher pode designar a Igreja perseguida, a prostituta ou a noiva do cordeiro.
O decisivo é compreender que o livro do Apocalipse tem o sentido exactamente contrário do vulgarizado. Trata do combate entre o Império romano e a Igreja de Deus, para animar os cristãos perseguidos, dando-lhes esperança: Deus e o seu Cristo triunfarão. Aliás, hoje os estudiosos pensam que a verdadeira estrutura do Apocalipse reside numa grande liturgia terrestre e celeste ao cordeiro, que representa Cristo.
Num contexto esotérico, lá vem também a profecia de São Malaquias, segundo a qual Bento XVI seria o penúltimo papa. O texto da profecia aparece pela primeira vez em 1595 num volume - Lignum vitae, ornamentum et decus ecclesiae - publicado pelo beneditino veneziano Arnold de Wyon, onde são recolhidas 111 divisas em latim, correspondentes cada uma a um papa desde Celestino II (1143-1144), e que, segundo Wyon, seriam obra de São Malaquias, do século XII. No documento, cuja autenticidade e paternidade são postas em causa pelos especialistas, ao actual papa é consagrada a 111.ª divisa: "a glória da oliveira". Depois, segundo a última divisa, vem a perseguição da Igreja e "passadas as tribulações, a cidade das sete colinas será destruída e o Juiz terrível julgará o seu povo".
Superando agora o esotérico da coisa, encontramos, claro, o fim do mundo enquanto fim de um mundo, sempre que um homem ou uma mulher morrem. De facto, a morte de um ser humano é sempre o fim de um mundo. Ali, acaba um mundo. Nas mudanças radicais da História, assistimos igualmente ao fim de um mundo. Constatando hoje o desaparecimento acelerado de línguas, podemos e devemos dizer que, sendo cada língua um mundo, vários fins de mundo estão infelizmente a acontecer.
Quando nos apercebemos das crises e catástrofes em curso, económicas, ecológicas, sociais em curso e do armamento nuclear existente no mundo, tomamos consciência de que podemos pôr termo à Humanidade e pôr fim à vida sobre a Terra.
E os cientistas? Há hoje dois modelos principais entre os cosmólogos. O primeiro - o modelo oscilante - afirma que a expansão do universo um dia se deterá, seguindo-se uma contracção, que poderá dar lugar a uma nova grande explosão. Na segunda hipótese, a expansão avançará, sem contracção, desembocando o processo na morte, no silêncio e na noite total. Mas isso daqui a muitos milhares de milhões de anos.
E as religiões? Já os maias, ao falar do fim do mundo, pensavam num dualismo de fim e novo começo, no quadro do eterno retorno. Também as religiões indianas se situam dentro de uma visão cíclica: o fim do mundo inclui a emergência de outro novo mundo. Na perspectiva bíblica e das religiões monoteístas, espera-se um "céu novo e uma terra nova". O Deus Criador do princípio é também o Deus do fim, o Consumador da perfeição: o Alfa e o Ómega.