Reflexão de Georgino Rocha
Jerusalém é a meta desejada por Jesus ao longo de toda a sua caminhada em missão. Faz convergir tudo para esta cidade. Também as oportunidades como as festas da Páscoa que constituíam os “dias da pátria”. A elas, acorrem multidões que fazem triplicar a população residente. Enquanto duram, a azáfama é grande, sobretudo no templo, centro da vida religiosa e económica. A alegria torna-se irradiante e a “confusão” contagiante. E os chefes temem ver frustrada a sua armadilha e que grupos de insurrectos se aproveitem e provoquem alguma sublevação que obrigue os romanos a intervirem. A ocasião é propícia para reivindicar a libertação nacional, alimentada pela esperança na vinda de um messias vigoroso e triunfante.
Jesus entra na cidade, não às escondidas, mas publicamente. Escolhe um modo exemplar, desconcertante. Percorre as ruas tapetadas de flores de embelezamento e de palmas de vitória montado num jumento – animal que simboliza o serviço humilde e gratuito -, aclamado por gente simples que manifesta o seu entusiasmo exuberante. O modo exemplar converte-se em símbolo com força de sentido para sempre.
Entra na cidade, espaço onde se organiza a vida social e económica, se cria e transmite a cultura, se administra a justiça, se realizam as festas religiosas que, além de louvar a Deus, irmanam as gentes e ajudam a conservar a identidade. Hoje, a cidade secular precisa de um novo dinamismo em todas as áreas da vida colectiva: organização que favorece a participação de todos os cidadãos, que reparte o trabalho por todos de modo a faz chegar os bens a casa de cada um, que cuida com especial cuidado os valores dignos da condição humana, que administra a justiça com rectidão e sem delongas, que cria espaço para as festas religiosas que exprimem o que melhor vivenciam os cidadãos crentes. A cidade secular não pode ser humanizada sem a festa popular, onde os cidadãos se encontram e partilham tradições e projectos, vivenciam o tempo, rememoram o passado, abrem as “janelas” ao futuro colectivo e afirmam a sua identidade comum mais profunda.
Entra na cidade, rede de relações humanas e de saberes, onde se cruzam e mutuamente se enriquecem o civismo e a proximidade, a ciência e a fé, o gosto de aprender e de ensinar, a prática do desporto por lazer e por competição, a convivência de gerações, os sonhos de futuro e as saudades feitas memória viva; cidade onde o realismo dá consistência à fantasia e o quotidiano desenha o estilo de vida solidário e fraterno. A cidade secular não pode abdicar desta capacidade de gerar “homens” novos que sabem afirmar a sua individualidade e potenciar a sua sociabilidade.
Jesus entra na cidade, comunidade onde o amor gera e está ao serviço da vida: na família de sangue ou de pertença, reduzida ou alargada; nas casas de acolhimento e de cuidados de pessoas doentes ou idosas; no voluntariado de vizinhança e de proximidade; nas instituições de solidariedade nas comunidades locais; nas atenções múltiplas aos “sem abrigo” de toda a espécie. A cidade secular necessita absolutamente destas fontes de vida, destes oásis de humanização, destas estalagens samaritanas.
Entra na cidade, santuário da consciência onde cada um se encontra consigo mesmo na sua autenticidade mais genuína e vai formando os critérios que levam a opções decisivas; se encontra com os outros no melhor das suas consciências e pode crescer em humanidade; se encontra com Deus e o seu amor de Pai e, como Jesus ensina, viver a relação filial, construir a cidade dos homens sabendo que está a lançar as sementes da cidade de Deus.
Entra na cidade para mostrar que é possível ter a paixão de ser positivamente diferente, de ter uma causa nobre pela qual confiadamente tudo se suporta.