Texto de António Marcelino
«Será bom que os jornais de entidades ligadas à Igreja, não excluindo as pequenas folhas que por aí se distribuem aos domingos, vejam se são veículos de comunicação ou maneira de desfear o rosto da Igreja, pelo dizem e pelo modo como o dizem. Não obstante o muito que de bom se faz, há sempre campo para rever e melhorar.»
O primeiro decreto conciliar a ser promulgado, juntamente com a Constituição da Liturgia, foi sobre os meios de comunicação social, conhecido por “Inter mirifica”, dadas as palavras de abertura, que colocam a comunicação social “Entre os maravilhosas invenções da técnica…”
Muitos dos padres conciliares não estavam preparados para discutir este tema, ainda bastante alheio ao seu dia a dia. O debate, feito antes da Constituição sobre a Igreja, tinha de ser pobre de horizontes. Demorou apenas quatro dias, e a votação final foi muito variada: apenas 2131 votantes: 1960 que aprovaram, 164 a quem não agradava, e 7 votos nulos. A votação foi considerada precipitada e o tema pouco amadurecido. O decreto, porém, deu ocasião a desenvolvimentos posteriores de muito valor. Pouco depois foi enriquecido pela Instrução Pastoral “Comunhão e Progresso”, publicada em maio de 1971, a mandato do Concílio e com a aprovação de Paulo VI. Até hoje, outros documentos se publicaram sobre as novas tecnologias e suas possibilidades pastorais.
Nos serviços centrais da Igreja não se partia do zero. A Rádio Vaticana, criada por Pio XI em 1931, emite hoje em 45 idiomas. O “Osservatore Romano” vem de 1861. Hoje publica-se em muitas línguas e também em português numa edição semanal. Roma e os seus serviços sabiam da importância dos meios de comunicação social. Noutros países a Igreja tinha já rádios e jornais, sobretudo a nível diocesano e nacional. João XXIII conhecia o valor destes meios para a evangelização dos povos e para levar o pensamento cristão, sobre os problemas sociais, até onde fosse possível. A sua insistência para que este tema fosse refletido no Concílio, parecendo fora do contexto habitual dos concílios ecuménicos, teve, pois, muito sentido. O que então parecia uma aventura, hoje é um novo mundo, no qual abundam mais os meios disponíveis do que a capacidade de os rentabilizar pastoralmente.
No campo cinematográfico, já antes do Concílio havia experiências curiosas, relacionadas com as salas paroquiais. Muitas centenas na Itália já na década de 50. Constituíam um estímulo à produção de bons filmes, pois, de outro modo, não passariam nas salas das paróquias, o que significava um forte prejuízo para as empresas produtoras. Recordemos que um homem da Igreja, hoje beatificado, o Padre Alberione, fundou uma congregação, os Paulistas, assim se chamavam, toda dedicada à comunicação social. Em Portugal houve tentativas de cinemas paroquiais, não para influenciar a produção, como é lógico, mas, principalmente, para proporcionar um ambiente de visionamento sadio às famílias.
O decreto conciliar, depois de uma introdução motivadora, realça a importância dos meios de comunicação social, para logo a seguir, em dois capítulos longos, numa linguagem ainda mais romana que conciliar, apresentar normas para o seu uso. De realçar a importância da opinião pública, a correta informação dos fiéis em ordem a um uso enriquecedor e a formação dos agentes para que o que fazem respeite as pessoas e seja um contributo válido para o bem comum. O segundo capítulo orienta no sentido do contributo destes meios no campo pastoral e apostólico, na necessidade de produções tecnicamente bem feitas e válidas para o efeito pretendido. A Instrução Pastoral “Comunhão e Progresso” alarga os horizontes e é um documento que ainda hoje se lê com proveito.
O facto de o Concílio se ter debruçado sobre este tema, ainda que com limitações explicáveis, dá ensejo a sublinhar não apenas a importância destes meios, agora mais evidente, mas também o valor da linguagem na missão da Igreja, entendida no sentido mais amplo do termo. Insiste-se hoje, num mundo em que as novas gerações, e não só, dão maior apreço à imagem apresentada do que à palavra proferida, na necessidade de encontrar formas de comunicação, que o sejam de facto. A palavra e a escrita nunca perdem o seu valor, mas é às pessoas que tem de se atender. Toda a comunicação que perde do seu horizonte os recetores e a cultura emergente arrisca-se a ser trabalho em vão.
Será bom que os jornais de entidades ligadas à Igreja, não excluindo as pequenas folhas que por aí se distribuem aos domingos, vejam se são veículos de comunicação ou maneira de desfear o rosto da Igreja, pelo dizem e pelo modo como o dizem. Não obstante o muito que de bom se faz, há sempre campo para rever e melhorar.