quinta-feira, 1 de março de 2012

A Igreja foi, ao longo da sua história, promotora da arte e da beleza



Outros aspetos da vida litúrgica

Um artigo de António Marcelino


Não sendo meu propósito ter comentado, ponto por ponto, a Constituição da Liturgia, parece útil falar de outros temas importantes ligados à reforma litúrgica, tais como: o ofício divino, o ano litúrgico, a música sacra, a arte e os objetos sagrados. 
O ofício divino, também nomeado “liturgia das horas”, é entendido como oração da Igreja, Corpo de Cristo, que consagra ao louvor do Pai as horas do dia e da noite. É uma tradição de séculos dos mosteiros de monges que depois se estendeu, como dever diário, aos padres e aos consagrados. Esta ação litúrgica comporta o Ofício de Leituras, a oração de Laudes e de uma Hora Intermédia (Tércia, Sexta ou Noa), Vésperas e Completas. O Ofício é mais simplificado do que o rezado pelos monges, daí chamar-se-lhe “Breviário”, mas tem o mesmo sentido, como expressão viva da Igreja Orante. O pároco reza-o pelo povo que lhe foi confiado. É constituído por hinos, salmos, leituras bíblicas e outras da tradição ou da actualidade eclesial e preces, de carácter universal. Trata-se de cuidar que a vida cristã, pessoal e comunitária, seja um orar permanente que dê sentido de louvor ao trabalho do dia, interrompido, de quando em quando, para a oração explícita. O Concílio recomenda aos padres que levem os leigos a participar neste louvor da Igreja, individualmente, em família e em comunidade cristã, de modo adaptado à sua condição laica. E o façam, sobretudo, com a recitação das Vésperas dominicais. Há padres com este cuidado e paróquias que já assim fazem.
O Ano Litúrgico é a celebração, ao longo do ano, dos mistérios de Cristo. Inicia-se no I Domingo do Advento e prolonga-se até à festa de Cristo Rei. Assim se vivem, em sequência, os tempos de preparação e as festas do Natal, Páscoa e Pentecostes, as festas de Nossa Senhora e dos mártires e dos santos. Como caminho para a Páscoa de Cristo, a Quaresma mereceu sempre uma especial atenção. Vêm, depois, semanas longas do tempo comum, como tempo de uma prolongada catequese, que tem sempre, em cada domingo e na Eucaristia dominical, o seu momento rico e enriquecedor da fé do povo cristão. Não há tempos mortos ao longo do Ano Litúrgico. Muitos cristãos nunca foram informados sobre a sua riqueza, continuada e repartida, para facilitar uma maior vivência do Mistério da salvação, centrado em Jesus Cristo.
A música que se canta ou executa nas celebrações é objeto de um particular cuidado na Liturgia ao tempo do Concílio. A Igreja estava consciente deste cuidado, avivado pela recuperação do canto gregoriano e reconhecimento do grande património que é a música sacra. Alguns exageros de séculos passados, em que grandes coros de música polifónica nem sempre “se harmonizavam com o sentido da ação litúrgica”, são vistos com especial atenção. Não se optando por formas musicais especiais, o Concílio dá critérios importantes: a música deve estar ligada à ação litúrgica, favorecer o clima de oração, levar a assembleia a participar no canto. Os grupos corais não substituem, nem dispensam a assembleia. Devem estar em contacto com ela e não em lugares, distantes, separados ou de exibição. Ao falar dos instrumentos, privilegia-se o órgão de tubos. Outros instrumentos podem ser autorizados se forem adequados ao uso sagrado. O canto religioso popular, em harmonia com o sentido religioso e litúrgico, deve ser “inteligentemente incentivado”, para que os fiéis possam melhor participar.
A Igreja foi, ao longo da sua história, promotora da arte e da beleza. O campo religioso é especialmente propício para expressar a riqueza e a beleza da arte sacra. Daí, os edifícios e sua ordenação interna, imagens e alfaias litúrgicas, tudo deve mostrar dignidade e favorecer a fé e a piedade, eliminando-se tudo o que a estas é contrário. Pela sua missão de educador da fé, o clero tem um especial papel em tudo isto. O Concílio insiste na sua importância e formação. Muito se andou, mas ainda não tudo. 
Espero poder, ao refletir, futuramente, a aceitação do Vaticano II, em Portugal, tocar em alguns destes aspetos, pois que, dada a importância do tema e o caminho positivo andado, há ainda desvios, velhos e novos, a merecer atenção e cuidado.

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