Um texto de Maria Donzília Almeida
Universidade de Coimbra
A Universidade de Coimbra é uma das mais antigas da Europa. Os Estudos Gerais foram fundados, em Lisboa, por D. Dinis, em 1290, tendo sido transferidos para Coimbra, em 1308. Após um vai e vem entre as duas cidades, foi definitivamente, transferida para Coimbra em 1537, vindo a ocupar os edifícios do Paço Real da Alcáçova. Durante os reinados de D. João V e D. José I, a instituição sofreu grandes reformas, não só a nível do ensino, mas também no que concerne à construção de novos edifícios de estilo barroco e neo-clássico.
O macro edifício inclui a Biblioteca Joanina cuja construção se iniciou em 1717, sob a égide de D. João V e é a mais famosa biblioteca de Portugal, pela singularidade do seu estilo. No piso superior, a biblioteca é composta por três salas, comunicantes por arcos decorados em madeira policromada, idênticos à estrutura do portal. As paredes estão cobertas por estantes lacadas de vermelho, verde-escuro e negro, com decorações em chinoiserie dourada. Ao gosto barroco, os tetos estão ornamentados com decorações de ilusão óptica. Os mais de 300 mil volumes que esta "Casa da Livraria" comporta, distribuem-se desde o século XII ao século XVIII, sobressaindo exemplares que versam áreas como o Direito Civil e Canónico, a Teologia e a Filosofia.
As obras da construção da Capela de S. Miguel, (capela da universidade), iniciaram-se em 1517, sob a direção do arquiteto Marcos Pires. A fachada mostra uma porta em estilo manuelino, com acesso lateral através de uma porta neoclássica. No interior, é possível admirar um imponente órgão barroco de 1733, decorado em talha e chinoiserie ao estilo D. João V. As paredes da nave, são revestidas de azulejos de tipo tapete, do século XVII, e do século XVIII, os da capela-mor. O retábulo principal, de 1605, é um trabalho maneirista.
Tendo a Universidade um foro próprio, era natural que a instituição dispusesse de um cárcere,(!?) para os estudantes condenados, no âmbito desse direito privado. Assim, o Prisão Medieval e Académica situava-se, desde 1782 até à extinção do foro, em 1832, no piso inferior da Casa da Livraria, sendo composto por pequenas salas abobadadas, duas das quais de estrutura medieval, sem luz direta e que, os frequentadores forçados, consideravam insalubres!!!
A Sala das Armas fazia parte da ala real do antigo paço. Alberga a panóplia das armas, alabardas, da Guarda Real Académica, que, ainda hoje, são utilizadas pelos Archeiros (guardas) nas cerimónias académicas solenes.
É na Sala dos Capelos que atualmente têm lugar as mais importantes cerimónias académicas, designadamente, os Doutoramentos solenes, "honoris causa", Investidura do Reitor e Abertura Solene das Aulas. Inicialmente, foi a sala do trono do Palácio Real de Coimbra. Na segunda metade do séc. XVII foi remodelada, tendo ficado com o aspecto atual. No começo do séc. XVIII, as coberturas foram renovadas e as paredes superiores decoradas com telas que representam todos os reis de Portugal, enquanto o lambril foi coberto com azulejos do tipo tapete, fabricados em Lisboa. O teto, apainelado, com decoração de grinaldas e grotescos pintados, exibe a data de 1655.
A Sala do Exame Privado foi o local onde, até à segunda metade do século XIX, se realizava o exame privado, que antecedia o doutoramento. Reformada nos anos de 1701/ 1702, apresenta os retratos dos reitores dos séculos XVI a XVIII. No teto, como nas sobreportas, vêem-se os emblemas das Faculdades. O lambril de azulejos de albarrada, azuis e brancos, são de feitura conimbricense do século XVIII.
A Torre da Universidade o ex-libris da cidade, é o monumento que melhor ilustra a Universidade e a sua secular vida académica. O seu relógio contou o tempo dos estudos, da vida e da juventude dos que por Coimbra passaram os verdes anos. Foram os seus sinos, ao longo do tempo, que marcaram o ritmo e o ritual do estudante, o tempo do descanso e o tempo do estudo. Imortalizado na “cabra”, o relógio batia ao ritmo do palpitar da vida académica. As obras de construção da actual torre, conduzidas por Gaspar Ferreira, tiveram início a 17 de Abril de 1728 e culminaram em Julho de 1733. Foi da corte de D. João V que nasceu o projecto. Do cimo da Torre da Universidade, desfruta-se uma magnífica visão panorâmica sobre toda a cidade do Mondego. Vista ímpar!
Cerca de dois séculos depois, a 17 de Abril de 1969, viria a conhecer-se um novo período da Academia de Coimbra, com a Crise Académica inaugurada nesse dia, da qual sou protagonista. Esta foi apenas a primeira......que conheci, no antigo regime. No atual..........não conheci outra coisa!
Ligada, à Universidade de Coimbra, está uma panóplia de tradições académicas, reunidas na sua praxe, que alimentou e fez pulsar esta cidade interior. A juventude, com toda a sua energia, irreverência e alguma ousadia, criou uma ambiência muito característica, que se materializou nas mais diversas formas, sendo as repúblicas, o seu expoente máximo. Sendo um repositório da vida académica, por excelência, estes alojamentos masculinos, albergavam estudantes em grandes grupos. A união faz a força! Foram durante séculos, uma atracão turística desta velha Lusa Atenas, pelo seu exotismo, originalidade, imaginação e excentricidade dos académicos.
No estreito convívio que tive com a cidade, apreendi que estava, completamente, vetada, a uma rapariga, a entrada, numa qualquer república, sob pena de a sua reputação ir pelo Mondego abaixo! Respeitei a norma, durante vários anos, até que a curiosidade falou mais alto. Também não queria passar por Coimbra, como cão por vinha vindimada! Sob a “escolta” dum conterrâneo, também estudante e residente, consegui devassar os meandros duma república! Valeu a pena! Dentre a imensa tralha, com que deparei, a Feira da Ladra dos tempos modernos, ressaltou à minha vista, numa grande pintura mural, que ocupava toda uma parede, a seguinte inscrição, em letras bem visíveis; “Feliz é o rio que faz o curso. sem sair do leito!”
O espírito boémio elevado ao expoente máximo!
Ó Coimbra, ó Lusa Atenas
Terra da minha saudade
Onde ficaram as penas
Da jovial mocidade!
O tempo da fantasia,
Das serenatas coimbrãs!
O tempo da nostalgia
Destas paródias tão sãs.
01.03.2012