REFLEXÃO DE GEORGINO ROCHA
Jesus serve-se desta imagem expressiva para iniciar a resposta a André e Filipe que o haviam procurado para lhe anunciar o desejo manifestado por uns gregos de o verem. O episódio ocorre em Jerusalém, junto ao templo, por ocasião da festa da pascoa judaica e condensa o alcance da “hora” que se aproxima: A paixão e exaltação de Jesus constituem a maior manifestação de Deus, a sua suprema glorificação. Deste modo, é satisfeita a aspiração mais profunda do coração humano. Ver a Jesus é entrar nesta relação existencial, captar a sua verdade e viver o seu dinamismo potenciador.
O grão de trigo surge como metáfora pedagógica desta realidade sublime. Os interlocutores facilmente apanham o seu alcance. A civilização agrária facilitava-lhes a tarefa. O futuro do grão lançado à terra pode ser: o de apodrecer e não servir para nada; o de tentar conservar as energias que progressivamente vão mirrando e nem sequer alimentam as aves do céu ou os “habitantes” das zonas subterrâneas; o de deixar que o húmus e outros factores a influenciem e condicionem a ponto de ela servir de nutriente ao gérmen que começa a despontar e vai crescendo até ser árvore robusta e frutuosa.
A lição da semente retrata bem o sentido da vida humana. Escolhida por Jesus constitui um “ícone” da sua missão, sobretudo na hora de transmitir de forma exemplar o que em breve irá acontecer. Garantir o futuro supõe consumir, desde já, as energias em benefício da vida nova que se deseja, exige a aceitação da verdade realista de quem está “em trânsito” e é peregrino, alimenta a esperança de que “nada se perde, tudo se transforma” para melhor ( a árvore e a semente), vive a dinâmica do provisório dando valor a cada instante como a única forma de “comungar” o tempo da história e “tocar” desde já a eternidade.
Os gregos peregrinos manifestam o desejo de ver Jesus, isto é, de conhecer a sua novidade, de prestar atenção à sua mensagem, de entrar em sintonia com ela, de assumir a escala de valores preconizada, de encontrar a medida da verdade ansiada pelo coração. Expressam uma constante de todo o ser humano que santo Agostinho condensa de modo tão feliz: Fizestes-nos Senhor para Vós e o nosso coração vive inquieto enquanto em Vós não repousar.
Esta inquietação reveste muitas formas e, como seu “rosto” mais nítido e interpelante, surge a cruz da vida: A cruz que chega inesperadamente com as limitações da saúde, as crises pessoais, a morte de familiares; a cruz que nos advém da sociedade concreta com as injustiças, o desemprego, a corrupção; a cruz do mundo que se repercute em nós pelos desastres ecológicos e pela alteração do clima; a cruz da Igreja com escândalos, desajuste de linguagens, desilusão face a atitudes menos evangélicas ou a processos de lentidão/involução na pretendida renovação.
A cruz pode ser fecunda e fazer progredir a sabedoria da humanidade. Como em Jesus que, por amor, vive a sua opção por fazer a vontade de Deus: para servir e elevar a dignidade humana, para lançar as bases de uma sociedade inclusiva e fraterna, para constituir o núcleo fundamental da Igreja como comunidade de iguais com dons e funções diferentes, para abrir as fronteiras do tempo à eternidade. Outras cruzes podem tornar-se símbolo de um mundo perverso que é preciso transformar, a partir dos seus fundamentos, da sua organização e da sua escala de valores.
O trigo loiro, a messe abundante e a colheita farta estão no grão. Tudo o que é grande nasce pequenino. A árvore frondosa e fecunda está contida na semente germinal. Importa garantir, quanto de nós dependa, as condições favoráveis.