"Mais do que as grandes coisas, os pormenores definem um tempo. Na semana passada, os media e as redes sociais ficaram em pulgas com a possibilidade de algumas freiras instalarem um bordel na Mouraria para as prostitutas do downstairs lisboeta. A palavra-chave era ‘bordel’. A narrativa implícita era “freiras trazem Amesterdão para Lisboa”. Tudo bem? Tudo mal. Tirando as rifas da quermesse, as freiras não podem entrar em altas cavalarias comerciais, muito menos numa atividade que as obrigaria a vestir o hábito de madame. Se tivessem pensado cinco segundos, as redações que espalharam o boato do bordel teriam percebido que as freiras queriam apenas um abrigo onde pudessem auxiliar aquelas mulheres, isto é, queriam um sítio onde elas pudessem tomar banho, dormir em lençóis lavados, e onde tivessem paz para repensar a sua vida, longe dos zumbidos do proxeneta. Mas as redações do cinismo pós-modernismo preferem não pensar cinco segundos. Gozar com bordéis imaginários é que rende, não é verdade?
Por norma, as freiras tratam de velhotes e de crianças. Sucede que estas freiras em concreto, as Irmãs Oblatas, são freiras-ninja, e, por isso, vão onde mais ninguém quer ir. E repare-se como o cinismo da moda deixou escapar o encanto da história: a coragem. Sim, coragem. Qual é a coisa mais distante de uma freira? Uma prostituta. E qual é a reação normal do ser humano perante a sua némesis? O ódio. Ora, contrariando este instinto, as nossas heroínas conseguem amar a sua própria negação. Ao ajudar as Maria Madalenas do Intendente e da Mouraria, as Oblatas estão a revelar uma grandeza e uma humildade que não são deste mundo. Já são subanjos, e quando morrerem são bem capazes de perder o sub.
Mas há mais. Vivemos num tempo saturado de anúncios e campanhas de boa vontade. Há um Bono em cada esquina. Mas, em troca da ajuda, esta multidão de Bonos quer mudar as pessoas, “sim, senhor, recebes ajuda, mas tens de ser uma pessoa melhor”. Isto não é caridade, é engenharia social. A verdadeira caridade está na atitude das Irmãs Oblatas: “Se Jesus estivesse aqui, não julgava nem condenava.” Elas aceitam as prostitutas tal como elas são, e não querem convencê-las de nada. Querem apenas dar-lhes alguma dignidade e um pouco de silêncio para que possam mudar de vida pelo seu próprio pé. Não há paternalismo. Não há imposição de uma ementa de virtudes. Não há a ideia higiénica de ‘limpar as pessoas más’. Há apenas o tal amor pelo próximo e uma noção trágica da vidinha. E, claro, isto assusta o nosso tempo cheio de engenharias sociais e de programas para melhorar o ser humano e não sei quê. Este é que é o encanto da história."
- Posted using BlogPress from my iPad