Confrontados com decisões vitais, é necessário reflectir longa e profundamente. E foi o que Jesus fez. Ele foi para o deserto meditar e rezar.
E foi tentado. E as três tentações são todas referidas à tentação do poder. O poder económico: "o tentador disse-lhe: 'ordena que estas pedras se tornem em pães'. Jesus respondeu: 'nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que procede da boca de Deus'". O poder religioso: "o tentador colocou-o no ponto mais alto do Templo e disse-lhe: 'lança-te daqui abaixo'. E Jesus: 'não tentarás o Senhor teu Deus'". O tentador mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a sua glória: 'dar-te-ei tudo isto, se, prostrando-te diante de mim, me adorares'. Jesus respondeu-lhe: 'adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás'".
O poder é a maior tentação, porque, como disse quem sabe - Henri Kissinger -, ele é o maior afrodisíaco: o gozo de subordinar e dobrar as vontades alheias à sua própria vontade, ao seu domínio. No limite, o desejo de ser Deus, concebido como Omnipotência. De facto, omnipotentes, seríamos imortais, pois mataríamos a morte.
Evidentemente, é uma ingenuidade ridícula tentar pensar as sociedades sem o poder. De facto, alguém tem de tomar a iniciativa e coordenar esforços e promover o bem comum e evitar a violência. Se não houvesse iniciativas, as sociedades estagnavam. E lá estão, felizmente, os que movem a economia e os que, na política e nos diferentes domínios da sociedade, se propõem contribuir para congregar esforços no sentido da plena realização de todos. No quadro da política, lá estão, por exemplo, os Ministros. No domínio religioso, também há os ministros de Deus e do seu povo. Mas quantos se lembrarão que ministro vem do latim - minister -, aquele que serve, o servidor?
Qual era a questão para Jesus? Ele sabia que tinha uma missão decisiva da parte de Deus para os homens. E a questão era saber se havia de ser um Messias do poder enquanto domínio e dominação ou, pelo contrário, um Messias da entrega e do serviço. Depois da experiência que fez de Deus, o caminho só podia ser o do serviço: "eu não vim para ser servido, mas para servir". Essa experiência não lhe revelou um Deus omnipotente, no sentido de dominar e colocar todos ao seu serviço, ao seu controlo e arbítrio. Deus não é a Omnipotência no sentido narcisista da palavra. Ele é a Força infinita de criar e amar. Por isso, depois das tentações, Jesus começou a pregar o Evangelho, isto é, a Boa Notícia de Deus enquanto amor, cujo único interesse é a alegria, a felicidade, a realização plena de todos os homens e mulheres, de cada ser humano.
Quando se não entende isto, o poder pior é o poder sacro, religioso, controlador das consciências, que pretende mandar em nome do Deus omnipotente enquanto dominador universal, que apaga toda a autonomia e a liberdade e envenena a vida e a sua alegria.
Em consequência de tudo isto, como aqui escrevi na semana passada, problema maior da Igreja é a Cúria Romana e as suas intrigas de poder. Há já quem fale que Bento XVI poderia renunciar em Abril, quando completa 85 anos. Ele próprio declarou, há dois anos, numa entrevista ao alemão Peter Seewald, que, quando um Papa "tem a clara consciência de que não está bem física e espiritualmente para levar adiante a função que lhe foi confiada tem o direito e, em algumas circunstâncias, o dever de se demitir."
Um Papa idoso e de saúde débil, por um lado, e, por outro, com interesses mais intelectuais e de fé do que administrativos, parece cada vez mais impotente. Seja como for, em fim de pontificado, vivem-se no Vaticano tempos de intrigas para manobrar o poder, evitar reformas urgentes e influenciar a sucessão, de tal modo queL'Osservatore Romano, jornal oficioso do Vaticano, escreveu que Bento XVI se tornou num "pastor cercado por lobos".
Como lembrou há dias o cónego Rui Osório, já Santa Catarina de Sena prevenia: os servidores do Papa, umas vezes são "ninho de anjos"; outras, um "covil de víboras". Em 1970, o Papa Paulo VI declarou Santa Catarina de Sena Doutora da Igreja.