Um texto de João Aguiar Campos
Creio, sobretudo, que o Espírito continua a ser capaz de
entrar em todas as salas, estejam ou não abertas as portas, suscitando
impertinências que nunca O deixam prisioneiro
Realiza-se, dentro de dias, o IV Consistório do papado de
Bento XVI. Nele serão criados 22 novos cardeais.
Em Portugal olhamos para o acontecimento com um misto de
alegria nacional e eclesial, pois entre os eleitos está o vimaranense D. Manuel
Monteiro de Castro.
É normal este regozijo. É, aliás, compreensível que,
especialmente em momentos de crise, todos os pretextos sejam bons para levantar
o ego e fazer festa. Com uma ressalva, porém: que não se esqueçam, nas dobras
do bairrismo, os méritos do eleito - uma vez que a sua escolha pressupõe uma
vida pautada por sã doutrina, costumes, piedade e prudência.
Nem se
desvalorize, na alusão a trabalhos específicos, a grande responsabilidade de
eleger um novo Papa; nem esse outro papel que Bento XVI fez questão de apontar
no anúncio do Consistório: «os Cardeais têm a tarefa de ajudar o Sucessor de
Pedro no cumprimento do seu Ministério de confirmar os irmãos na fé e de ser o
princípio e fundamento da unidade e da comunhão da Igreja».
Dito isto, uma palavra para as neblinas em torno da reunião
de 18 de fevereiro; sobretudo as que se erguem dos vales de quantos gostam,
também na vida da Igreja, de análises geoestratégicas e estatísticas…
Concorde-se ou não, a verdade é que em torno da escolha dos
novos cardeais abundam leituras e interpretações.
Realçam, uns, o peso dos italianos e dos funcionários da
Cúria e, em contrapartida, uma menor «consideração» pelas Igrejas de África e
América Latina, falando mesmo em «escassa universalidade». Outros, ou os
mesmos, analisam o perfil dos eleitos, para concluírem que a presença de
gestores ultrapassa a de teólogos.
Se se atender aos números, estes parecem dar razão a quem
assim pensa. Entendo, porém, que é injusto considerar que o Papa está distraído
ou menos interessado no contributo que pode receber de quem vive
geograficamente mais longe ou se confronta com realidades diversas. Mas creio,
sobretudo, que o Espírito continua a ser capaz de entrar em todas as salas,
estejam ou não abertas as portas, suscitando impertinências que nunca O deixam
prisioneiro.
Sem prescindir, por isso, do legítimo desejo de ver no
Colégio de Cardeais mais Padres e Pastores de Igrejas particulares, faço minha
a oração de Louis Fromy, leitor do “La Croix”: «que o Espírito inspire aos
cardeais um sensus ecclesiae atual, realista e... missionário».
Isto vence qualquer «geografia curial».