Professora catedrática da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa
In Para lá das religiões,
ed. Chiado Editora
09.02.12
(...) Na literatura do século XX e do início deste século em
Portugal, é possível identificar, mesmo se a multiplicidade impede que dela se
fale em geral, uma intuição intelectual, uma sabedora pergunta pelo
Transcendente, latente ou explícita. Traços de preocupação pelo religioso, o
divino ou Deus, enquanto Presença outra – procurada, negada, acolhida,
debatida, velada ou abertamente configurada – são visíveis em muita da poesia e
da narrativa ficcional.
É verdade que, na cultura portuguesa, em parte devido à
forte herança de um sentido messiânico, de raiz judaica, o sentido de um
“descontentamento” ou de um “desassossego”, ou então de nostalgia ou saudade, é
uma constante em vários autores, traduzindo-se na consciência de um
irremediável ficar aquém ou no adro, e na constante busca de um além
inatingível, que são elementos matriciais da nossa cultura. O “mito sebástico”
parece dar sequência, imaterial mas intensa e constante, a essa antiga
expectância perante “outra coisa ainda”, essa que será mesmo “linda”, como no
poema ‘Isto’, de Fernando Pessoa, se diz:
«[...]
Tudo o que sonho ou faço,
O que me falha ou finda
É como um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.»
(PESSOA: “Cancioneiro”, ‘144’)
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