terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Um poema de Natal de Tolentino Mendonça




Somos a autobiografia de Deus

Quando despontarem as primeiras luzes do Seu cortejo
ainda nos faltará tudo:
o azeite na almotolia,
um alfabeto que descreva com outra firmeza o azul,
formas indivisíveis para este amor,
que só em fragmentos
e numa gramática imprecisa
conseguimos viver.

Quando despontarem as primeiras luzes
estaremos talvez longe:
à altura dos olhos continuaremos a trazer a mesma indisfarçável solidão
as mesmas mediações ilegíveis  através do tempo
as mesmas demoras tatuadas.

O Seu advento encontra-nos sempre impreparados
e, contudo, este é o momento em que
por puro dom se nasce.

A Sua vinda testemunha o que não sabíamos ainda:
a nossa frágil humanidade é narração
da autobiografia de Deus.

José Tolentino Mendonça

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