DE BICICLETA ... ADMIRANDO A PAISAGEM – 32
O NAMORO DOS EMIGRANTES
Caríssima/o:
«De repente, começaram a chegar bicicletas do estrangeiro - para os endinheirados».
Nestas conversas que já vão longas, mas que tão perto ainda nos prendem, relembraria a figura do emigrante ( e que entre nós, se poderia traduzir, também e de alguma forma, por pescador do bacalhau...)
Há cinquenta-sessenta anos, dinheiro corrente era algo que só passava pela mão de alguns (poucos) felizardos – era a sociedade da pura e mais absoluta subsistência: o que se conseguia com o trabalho das mãos e o suor do rosto mal dava ( e muitas vezes, nem chegava... valia o livro dos fiados...) para o sustento do corpo mirrado e ossudo...
Não admira que onde houvesse o cheiro a dinheiro fresco (e ganho honestamente, benza-o Deus!...) faiscassem de variadas direcções os dardos de Cupido escondido nas dobras das cortinas que se afastavam discretamente para ver passar uma bicicleta reluzente, acabadinha de sair da montra...
Já entradote, com a pele queimada dos sóis tropicais, o Felizardo (podia ser este o seu apelido!), acarinhado e apaparicado por muitas mães e alguns pais, ansiosos por ampararem as filhas bonitas, bem dotadas e asseadas, feliz se sentiria se lhe restasse energia que lhe permitisse pedalar rumo ao sonho que o trouxe às origens.
Por vezes, ..., o Felizardo já trazia, no bolso, a «acta» do casamento embrulhada na carta amarrotada, rota e quase gasta.
Assim também era na nossa juventude com os bacalhoeiros, mas então já não tanta solicitude (ainda alguns remoques de maledicência e de coqueteria usadas para chamar a atenção do Felizardo...) que a bicicleta novinha em folha sabia o caminho mesmo com o dínamo desligado e noite escura sem lua...
De facto, a bicicleta tripulada por jovem de bolsos euromilhados era um chamariz que nem bicha-branca para robalinho! Quando aparecia, a agitação e a turbulência rodopiando à sua volta ofereciam aos outros rapazes, para além da tristeza pela sua pequenez, paz e tranquilidade premiadas pelo encontro do par que, fugindo do turbilhão, se mostrava sorridente como quem esperava a sorte prometida.
Mas, e depois?!..., perguntará alguém menos atento.
Filme tão repetido e gasto, de tantas vezes visto, até nos esquecemos do final ... que não do fim! Manuel