Confiança e Crédito
Anselmo Borges
Os melhores comentadores vão escrevendo e dizendo que o que falta é confiança. Que não há crédito todos sabemos. Aí estão dois conceitos-base da religião. Confiança vem de fides, donde vem fé, fiar-se de, confiar. Crédito vem de credere, donde vem crer, crença, acreditar. Mas eles estão na base da existência. Quem pode viver sem confiança? Quem se meteria num avião, na estrada, sem confiança?
O problema é: o quê e quem tem crédito, para merecer a nossa confiança? Porque não podemos confiar de modo cego. No quadro do perigo possível e do medo, a confiança tem de ser razoável.
O teólogo Jürgen Moltmann refere o famoso conto dos irmãos Grimm sobre o jovem que partiu à procura de saber o que é o temor. E, a propósito, refere dois comentários sobre o conto.
O problema é: o quê e quem tem crédito, para merecer a nossa confiança? Porque não podemos confiar de modo cego. No quadro do perigo possível e do medo, a confiança tem de ser razoável.
O teólogo Jürgen Moltmann refere o famoso conto dos irmãos Grimm sobre o jovem que partiu à procura de saber o que é o temor. E, a propósito, refere dois comentários sobre o conto.
Um é de Sören Kierkegaard: "Nos contos de fadas de Grimm, há o relato sobre um jovem que saiu à procura de aventuras para aprender a ter medo. Deixaremos que o aventureiro siga o seu caminho, sem nos preocuparmos com saber se nele se cruzou com o horror. O que quero afirmar, isso sim, é que se trata de uma aventura que todos têm de enfrentar: aprender a ter medo, para não se perder, porque nunca se sentiu receio ou porque se está afundado no medo; quem aprende a temer de modo correcto aprendeu o mais importante." O outro é de Ernst Bloch: "Havia uma vez um jovem que foi pelo mundo para aprender o medo. Em épocas passadas, isso acontecia de modo mais fácil e imediatamente: a arte do temor aprendia-se com terrível facilidade. Mas, agora, a não ser quando isso se justifica realmente, é apropriado cultivar um sentimento mais moderado. Agora, trata-se de aprender a ter esperança. A esperança nunca renuncia ao seu trabalho. Está enamorada do êxito, não do fracasso. A esperança é superior ao temor, pois não é passiva como este, nem tão-pouco está mergulhada no nada. O sentimento da esperança sai para fora, abre os seres humanos em vez de limitá-los."
Tanto a esperança como o temor se enfrentam com o possível. No medo, com o perigo possível; na esperança, com a salvação possível. O futuro é sempre imprevisível e ambíguo, pois a História é processo e ainda não está decidida. Sem o temor, não nos aperceberíamos do possível perigo; sem a esperança e só com o temor, ficaríamos paralisados. Sintetiza J. Moltmann: embora a esperança seja superior ao temor, "o medo é o irmão inevitável e óbvio da esperança".
Exemplifico. Há uns meses, num debate público, perguntei a um conceituado economista: vamos ser postos fora do euro, vamos sair do euro, a Alemanha vai abandonar o euro? E ele falou mais uma hora, para explicar que as três hipótese nos levariam a situações dramáticas.
Mas há cada vez mais economistas, também nacionais, que falam da inevitabilidade da saída do euro. Agora, é Desmond Lachman, antigo director adjunto do FMI, que vem afirmar que "é inevitável Portugal sair do euro. Portugal não vai aguentar as políticas do FMI sem deixar o euro".
Atenazados, é sobre esta problemática que é preciso pensar, para não continuarmos no ema- ranhado dos enganos. Por mim, procuro ser fiel ao preceito de Plínio: "O sapateiro não deve ir além da sandália", e confesso que, seguindo a vontade, quero ser optimista, mas, quando faço contas e considero a situação, a inteligência encosta-me ao pessimismo.
E a União Europeia? Como está, isto é, sem integração política num caminho federativo, parece não ter futuro. Mas a Europa, sem euro e sem união, tornar-se- -á insignificante num mundo globalizado e, pouco a pouco, será preciso preparar-se para temer o pior.
Afinal, com a queda do Muro de Berlim, parecia ter chegado a paz perpétua e um futuro de confiança sem temor. Mas tudo está terrivelmente complicado.
Não gostaria de escrever estas coisas, sobretudo em tempo de férias, mas não é bom viver na cegueira. De qualquer modo, levo sempre comigo os versos célebres de Hölderlin: "Wo aber Gefahr ist, wächst das Rettende auch" (Mas onde está o perigo, cresce também o que salva).
No DN