DE BICICLETA ... ADMIRANDO A PAISAGEM – 26
O ÁS DE PEDAL!
“... e de louco, todos temos um pouco”.
Venha o primeiro que tenha coragem de lhe atirar uma pedra!?...
«Lá fora, avistou Zé Paulo em acrobacias de ás do pedal.
Quando a fantasia lhe dava para isso, nunca mais sabia como ia acabar. Ao vê-lo voar, de cabeça baixa, rente ao guiador, André pressentiu um novo desastre. E não se enganou.
- Não sejas maluco, perde essa mania de imitar os corredores da Volta a Portugal- suplicou, baixinho, na esperança de que o amigo captasse a mensagem.
Qual quê! Lançado em grande velocidade, ou não fosse o sábado o dia ideal para provas mexidas, Zé Paulo imaginava-se na última tirada da prova maior do nosso ciclismo. Neste faz-de-conta vivido na pista, o contra-relógio individual era a oportunidade de reconquistar a camisola amarela. Fosse lá alguém dizer-lhe o contrário.
Colado à bicicleta, pedalando furiosamente em luta contra o tempo, o ciclista embalou para o sprint final.
- É agora ou nunca - decidiu Zé Paulo, de dentes cerrados, como um profissional.
Imóvel como um bloco de granito, André não teve forças para abrir a janela, para soltar um grito, para fazer a tempo o que quer que fosse.
Naquele momento, um gesto, um grito, a mais pequena distracção poderia causar um grande acidente.
Infelizmente assim aconteceu. Ao entrar na curva que levava à meta, a roda traseira derrapou numa casca, os travões falharam e, em menos de um segundo, o esforçado ciclista saiu disparado em linha recta, direitinho à porta da Mercearia Ideal.
Temendo o pior, André resolveu abrir a janela, esticou o pescoço o mais que podia e suspirou de alívio, ao se lhe deparar uma cena quase angelical.
O candidato a herói da Volta a Portugal estava sentado, encostado à porta como se esta fosse uma fofa almofada.
Sorria mesmo, de olho na roda que, suspensa no ar, ainda girava. "Deve estar a ouvir uma orquestra de passarinhos e a contar as estrelas que fugiram do céu", concluiu André, respondendo ao adeus meio apalermado que o amigo lhe mandava.»
Fernando Bento Gomes, Que é do Verde desta Rua?
Manuel