Eurico Carrapatoso
A música de Deus
José Tolentino Mendonça
A Igreja Portuguesa premeia um maravilhoso criador contemporâneo, o compositor Eurico Carrapatoso. Na próxima sexta-feira, em Fátima, D. Manuel Clemente, Presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, entregará o galardão “Árvore da Vida/Padre Manuel Antunes” a um dos nomes mais importantes da nossa cena musical. Eurico Carrapatoso tem assinado um reportório de invulgar qualidade, num país como o nosso que valoriza ainda pouco o grande contributo cultural e humano que as artes, e nomeadamente as artes musicais, representam. É de toda a justiça iluminar um percurso que, além do mais, sempre tem tentado um diálogo com o nosso cancioneiro tradicional e tem procurado, de forma inspirada, a voz de poetas emblemáticos Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner ou António Manuel Pires Cabral.
Acho que todos podemos perceber alguma razão na sentença célebre de Friedrich Nietzsche: “Sem música, a vida seria um erro”. De facto, há dimensões da verdade do homem que a música ilumina melhor do que outras linguagens. Na música, na grande música, percebemos como o Ser Humano só realmente se entende na abertura ao universal, na vizinhança do mistério e do infinito. A música é uma grafia da alma, mais do que uma técnica. Não é ao silêncio que a música se opõe, mas ao ruído. A música toma como matéria o silêncio e entreabre-o, e transfigura-o até ele ressoar, em puro fulgor.
Num discurso em louvor de Mozart, o Papa Bento XVI dá um testemunho cabal do que a música pode representar na celebração dos mistérios cristãos: «Quando, nos dias festivos, se interpretava uma Missa de Mozart na nossa Igreja Paroquial de Traunstein, eu, um simples rapaz do mundo rural, sentia que o Céu se abria em nosso redor. Nuvens de incenso elevavam-se em frente ao presbitério, nas quais o Céu se refletia; sobre o altar realizava-se um ato sagrado, o qual – bem o sabíamos – permitia para nós a abertura do Céu. Do coro ressoava uma música que só podia provir do Céu, uma música na qual se revelava o júbilo dos anjos à beleza de Deus. Havia algo desta beleza no meio de nós. Tenho de confessar que sempre senti tudo isto ao escutar Mozart».