Boris
Austeridade! P’ra quem?
Maria Donzília Almeida
Béu, béu!
Cá estou vivo e bem vivo! Os anos começam a pesar e a deixar-me o “rosto” cheio de cãs! Um cão com cãs......carinhoso, confidente e companheiro.....soa assim como...uma aliteração, diz-me a dona para me instruir! Não emagreci sequer um grama, desde que chegou a crise! O PEC, p’ra mim, foi apenas...Paparoca Empacotada Canina. Ouço, que os cães ouvem muito bem, não sei se sabem, que anda toda a gente aflita com as medidas de austeridade. Uns já andam a mudar os hábitos de consumo e a adotar medidas mais restritivas. Outros viram os seus meios de subsistência, reduzidos, mediante os cortes salariais de que foram vítimas. A mim, ainda não chegou a crise: continuo a viver num hotel de 5 estrelas, (não caiu nenhuma), com vários dormitórios ao longo da “mansão”: um para o inverno, outro para o verão e outro que eu próprio criei, na estufinha das plantas, com um microclima ameno, para os dias assim, assim! Quando a nortada varre as folhas do jardim, refugio-me neste retiro, enrosco-me, a jeito, por baixo da hera e fujo da perseguição do vento. Para me chamar, a dona faz estalidos com os lábios....e lá vou eu a correr, feliz, até ela. Amor com amor se paga!. Casas de banho, também tenho uma série delas, colocadas estrategicamente no jardim; uma à esquina de cada árvore! Sombras, para descansar, as que as árvores combinam com o astro-rei.
Devo ser uma criatura vip, com todos estes privilégios, a quem a crise não afetou! Pertenço ao mesmo grupo dos deputados, dos ministros, enfim, de toda a classe política! A esta, tal como a mim, nada retira o conforto e o bem-estar, são bens adquiridos e inalienáveis. Tenho apenas uma vantagem em relação aos políticos: usufruo de mordomias e não tenho qualquer responsabilidade, nem trabalho para a comunidade! E... eles terão? Os meus ouvidos de cão não têm ouvido grande coisa acerca disso!
É esta a essência do amor puro quase platónico, que nutro pela minha dona; não é totalmente platónico, pois quando a vejo a merendar pelo jardim, abeiro-me dela e suplico-lhe uma migalhinha! Sento-me, de imediato e.....só não me ajoelho, porque não sei genufletir!. Ela reparte comigo a merenda, mas chama-me interesseiro; não sei o que é, porque nunca a ouvi chamar isso a um amigo!
Enfim, a dedicação que tenho pela minha dona, é-me generosamente retribuída, com todas estas mordomias! Às vezes, até ouço comentar aos amigos dela, que eu não sou um cão deste tempo! Tão dedicado, tão obediente, tão afectuoso, tão cavalheiro! Não percebo tudo o que dizem de mim, mas deve ser algo elogioso, pois estão sempre a passar-me a mão pelo pêlo! Ah! E se eu gosto! Quem não gosta de mimos, de carícias de mãos humanas? Claro que eu tenho as minhas formas de retribuir e dou umas lambidelas furtivas na cara da minha dona. Tenho pouca sorte porque, as mais das vezes, ela afasta a cara e rejeita a carícia. Vá a gente entender os homens! Dizem gostar tanto de nós e no momento certo, fogem com o rabo à seringa!
Mesmo assim, continuo a ser um bom cãopanheiro!
13.06.2011