sábado, 18 de junho de 2011

Anselmo Borges - O reconhecimento e as suas esferas

Há antigos alunos que me convidam para ir às escolas fazer palestras sobre temas relacionados com a Filosofia. Os ouvintes são alunos dos 10.º, 11.º e 12.º anos e também outros professores. Procuro corresponder. A última vez o tema era "A filosofia e o sentido da existência". E lá fui falando sobre o universo e o seu processo - a realidade é processual -, o salto da animalidade para a humanidade, a neotenia, os diferentes tipos de acesso à realidade, que é complexa, o sofrimento e o mal, o sentido e os sentidos enquanto caminhos, a questão do sentido último... No fim, antes das perguntas e comentários deles e delas, fui perguntando a este e àquele, a esta e àquela, o que tinha ficado. E todos foram dizendo que o mais interessante era aquilo do reconhecimento. Isso eles não iriam esquecer. Uma surpresa, que não devia sê-lo. 
De facto, de que precisamos senão de reconhecimento, de valer para alguém, de alguém que nos dê valor, que justifique a nossa existência? É que, ao contrário de uma árvore ou de uma estrela, não nos basta existir; precisamos de existir para alguém, que nos devolva a nós mesmos na nossa dignidade e valor.
Não está a Europa dividida em Europa católica e Europa protestante, precisamente por causa do reconhecimento, em termos teológicos tradicionais, por causa da doutrina da justificação? Essa era a questão existencial de Lutero: quem me reconhece definitivamente, o que vale a minha vida, quem justifica incondicionalmente a minha existência,? E ele leu em São Paulo, na Carta aos Romanos: o homem é justificado pela fé. Quem acredita no Deus de Jesus tem a vida eterna.
E lá está Hegel e a famosa dialéctica do senhor e do escravo, na Fenomenologia do Espírito, que é disso que trata: da luta pelo reconhecimento. Quem vale o quê e para quem? Foi aí que Karl Marx foi beber, mas exigindo que se fosse à base socioeconómica da alienação e da reconciliação-reconhecimento.
E agora é Axel Honneth, director do Instituto de Investigação Social da Universidade Goethe, em Frankfurt, onde sucedeu a Jürgen Habermas, que mostra como sofrimentos e problemas sociais adquirem sentido e compreensão a partir do reconhecimento pelos outros. Já em 1992, com Luta pelo Reconhecimento, trouxe para o debate da filosofia social a importância do olhar aprovador ou reprovador dos outros: a existência dos indivíduos e dos grupos não se esgota na troca de bens e serviços, pois vive também das "expectativas de reconhecimento" dos outros. Daí, as lutas pela igualdade dos sexos, respeito pelas minorias sexuais, religiosas, culturais. A falta de reconhecimento acarreta humilhação e conflitos.
Catherine Halpern sintetizou os seus três princípios de reconhecimento. A imagem que cada um de nós tem de si mesmo, das suas capacidades e qualidades depende da imagem que julgamos que os outros têm de nós, isto é, do seu olhar. Honneth distingue três princípios de reconhecimento, correspondentes a três esferas sociais.
Na esfera da intimidade, há o princípio do amor, no sentido abrangente de todas as relações afectivas fortes nos domínios das relações amorosas, familiares, de amizade. Já Aristóteles observou que a vida sem amigos não valeria a pena. E Honneth sublinha a importância da relação da mãe com o bebé na construção da autoconfiança, da identidade e da autonomia. Não é na experiência do amor que radica a confiança em si próprio?
Na esfera da colectividade, o princípio da solidariedade. Para aceder ao sentimento de estima de si, cada um, concretamente no trabalho, deve poder sentir-se considerado útil à colectividade. Na situação de desemprego crescente, é inevitável a frustração e o aumento da conflitualidade. Porque a finalidade do trabalho não é apenas procurar meios de sustento para as necessidades materiais, mas provar que se é útil, contribuindo para o bem comum.
Na esfera das relações jurídicas, está o princípio da igualdade. Sendo vítima da discriminação, da marginalização, do não reconhecimento de igualdade de direitos,  como se pode desenvolver o sentimento de respeito por si mesmo?

Anselmo Borges 

No DN

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