O Turista e o Peregrino
José Tolentino Mendonça
O turista e o peregrino têm mais em comum do que possa parecer. Um pelo caminho do lazer, outro pela volta do sagrado: é, contudo, um impulso antropológico semelhante que os move. A experiência da saída de si, o desejo de outras paisagens, a busca de alteridade são traços reconhecíveis tanto num como noutro. O peregrino conserva alguma coisa do turista. O caminho de peregrinação, mesmo quando assume um carácter penitencial, não perde um tom festivo, uma quase ligeireza, que não é distracção, mas celebração. Tal como o turista conserva coisas do peregrino. Qualquer viagem pressupõe, por exemplo, uma reflexividade, uma experimentação sobre si mesmo, um saber de si. Mesmo se o que vemos são linhas, digressões por cidades ou trilhos, mesmo se nos parece estar apenas perante a representação objectiva da paisagem diurna ou do deslumbramento nocturno: por detrás de cada fragmento solto do mundo encontra-se uma pergunta maior.
A palavra turismo, de coloração anglo-saxónica, traduz a viagem motivada pelo prazer de mergulhar no aberto do mundo. Aparentemente não há nela uma necessidade ou um qualquer retorno utilitário. Nem há sequer, na maior parte dos casos, uma intencionalidade muito definida ou maturada. Num verso de Baudelaire, que é uma espécie de dístico, diz-se que «o verdadeiro viajante/é aquele que parte por partir». O turista é mobilizado pelo desejo de olhar, de conquistar, de perder («perder países», como Fernando Pessoa explica), fazendo da curiosidade uma marca de cultura e existência.
Mas a peregrinação também é isso, uma forma de viagem. Na prova real da deambulação pelo espaço, o peregrino busca, também ele, uma visão, com uma diferença qualitativa: a natureza dessa visão é interior. Não se trata simplesmente de ver mundo, mas de ver dentro e para lá do mundo, tacteando um sentido, uma luz, um encontro, uma revelação.
Agora que Setembro nos trouxe de regresso às trajectórias do quotidiano, é bom pensar que o turista e o peregrino convivem dentro de nós.