quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Desmoronamento da família é dos acontecimentos mais graves da nossa história



Desmoronamento da família

António Marcelino

Cada dia que passa somos confrontados com estatísticas que nos dizem do número crescente de divórcios, da queda acentuada de casamentos civis e religiosos, da subida vertiginosa de uniões de facto. Também não deixam os jornais, e mesmo as televisões, de dar conta, aqui ou ali, de novos casamento de homossexuais e até já de seus divórcios.
Deixar de tomar a sério o casamento e a família, pela maneira fácil e rápida de as leis a desfazerem, constitui uma tragédia de muitas consequências à vista, e de outras, não menos graves, que o tempo irá revelando. A família que nasce de uma decisão livre de gente adulta e, presume-se, responsável será sempre o alicerce de uma sociedade com futuro. O contrário significa inquinar o ambiente social, tornando o casamento objecto de contrato de reduzida importância, rescindível ao menor capricho ou à incapacidade progressiva de assumir as responsabilidades inerentes.
Se fizermos a contagem dos governantes, deputados, magistrados, gente da telenovela, fazedores de opinião e tantos outros de nome e profissão conhecidos que já não estão no primeiro casamento e, por vezes, já nem no segundo, percebemos o que se passa neste em país em crise. Dificilmente poderá falar do casamento e da família, com apreço e respeito, quem não tem uma experiência gratificante da vida conjugal e familiar. São muitos destes que interferem no modelo de casamento e família, impostos arbitrariamente à sociedade.


O desmoronamento da família é dos acontecimentos mais graves da nossa história. As vítimas não são apenas os filhos, mas também os cônjuges, ou algum deles, os pais e familiares, que assistem impotentes ao ruir de sonhos e de projectos, que eles amassaram com alegrias e dores. Vítima é também a sociedade pela sua impiedosa desumanização. O cuidado do Estado, como glória de estado social, não se pode traduzir em respostas sociais a favor das vítimas das decisões políticas. Casas de acolhimento e subsídios familiares não compensam o amor ferido e destruído.
A ideia que se transmite de família, a infidelidade a compromissos livremente assumidos para toda a vida, o pouco respeito pelos outros a que se ficou para sempre ligado, a educação sem esforço e valores, o menosprezo pelas instituições que existem para servir as pessoas, não podem constituir motivos de esperança e renovação social. Quando a vontade pessoal, comandada por emoções e interesses, se desresponsabiliza ante dificuldades normais, quando o egoísmo se sobrepõe ao dever de colaborar na edificação da família e, por ela, de uma sociedade sadia nas relações pessoais, nas aspirações legítimas e coerentes, no contributo de todos para o bem de todos, a sociedade está em perigo. Assim não o entendem os que só obedecem à sua vontade soberana em detrimento dos outros, os que querem a felicidade pessoal, por vezes à custa de uma sementeira de infelicidades, os que influenciam leis que sossegam a consciência própria e anestesiam a alheia.
Sabemos que há situações graves de famílias que nasceram mal ou se deterioraram, e que as pessoas precisam, então, de quem tutele direitos em perigo, respeitando opções de quem nem sempre respeitou os outros. A vida equilibrada de um casal e de uma família nunca foi nem será uma tarefa fácil e um caminho apenas de êxitos. Mas, num casamento e numa família a sério, as dificuldades são desafios a responder com coragem e generosidade, com perseverança e paciência, com amor e esperança. O amor não é uma coisa que se faz, com o por aí se propala. É dom que se recebe e se permuta, riqueza que se vive e se cultiva, se defende e se disponibiliza. Assim todos os dias, para se poder construir o que o mesmo amor livremente ditou, como projecto de fidelidade diária e de felicidade sonhada e querida.
Muitos dos casamentos, desfeitos por divórcio ou arrastados por uma dolorosa resignação, foram abençoados pela Igreja, a pedido dos noivos. Não se pode ela lamentar pelos fracassos, se continua a aceitar este pedido por uma rotina acrítica. O acolhimento devido aos divorciados recasados não significa desvalorização do matrimónio, mas traduz cuidados de mãe, em relação às pessoas concretas e às novas famílias que surgem após um divórcio.
Impõe-se uma denúncia comprometia, pública e clara, sem subterfúgios, por parte dos responsáveis da Igreja, ante as leis que desvalorizam o casamento e destroem a família. É um problema social, não religioso, mas de responsabilidade pastoral. Ante este desmoronamento, a Igreja, sem olhar a riscos: ou serve as pessoas com a sua dignidade e direitos e, por este meio, as pessoas e a sociedade, ou tem de se interrogar, seriamente, para que serve ela própria e a quem serve de verdade.

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