Desmoronamento da família
António Marcelino
Cada dia que passa somos confrontados com estatísticas que nos dizem do número crescente de divórcios, da queda acentuada de casamentos civis e religiosos, da subida vertiginosa de uniões de facto. Também não deixam os jornais, e mesmo as televisões, de dar conta, aqui ou ali, de novos casamento de homossexuais e até já de seus divórcios.
Deixar de tomar a sério o casamento e a família, pela maneira fácil e rápida de as leis a desfazerem, constitui uma tragédia de muitas consequências à vista, e de outras, não menos graves, que o tempo irá revelando. A família que nasce de uma decisão livre de gente adulta e, presume-se, responsável será sempre o alicerce de uma sociedade com futuro. O contrário significa inquinar o ambiente social, tornando o casamento objecto de contrato de reduzida importância, rescindível ao menor capricho ou à incapacidade progressiva de assumir as responsabilidades inerentes.
Se fizermos a contagem dos governantes, deputados, magistrados, gente da telenovela, fazedores de opinião e tantos outros de nome e profissão conhecidos que já não estão no primeiro casamento e, por vezes, já nem no segundo, percebemos o que se passa neste em país em crise. Dificilmente poderá falar do casamento e da família, com apreço e respeito, quem não tem uma experiência gratificante da vida conjugal e familiar. São muitos destes que interferem no modelo de casamento e família, impostos arbitrariamente à sociedade.
O desmoronamento da família é dos acontecimentos mais graves da nossa história. As vítimas não são apenas os filhos, mas também os cônjuges, ou algum deles, os pais e familiares, que assistem impotentes ao ruir de sonhos e de projectos, que eles amassaram com alegrias e dores. Vítima é também a sociedade pela sua impiedosa desumanização. O cuidado do Estado, como glória de estado social, não se pode traduzir em respostas sociais a favor das vítimas das decisões políticas. Casas de acolhimento e subsídios familiares não compensam o amor ferido e destruído.
A ideia que se transmite de família, a infidelidade a compromissos livremente assumidos para toda a vida, o pouco respeito pelos outros a que se ficou para sempre ligado, a educação sem esforço e valores, o menosprezo pelas instituições que existem para servir as pessoas, não podem constituir motivos de esperança e renovação social. Quando a vontade pessoal, comandada por emoções e interesses, se desresponsabiliza ante dificuldades normais, quando o egoísmo se sobrepõe ao dever de colaborar na edificação da família e, por ela, de uma sociedade sadia nas relações pessoais, nas aspirações legítimas e coerentes, no contributo de todos para o bem de todos, a sociedade está em perigo. Assim não o entendem os que só obedecem à sua vontade soberana em detrimento dos outros, os que querem a felicidade pessoal, por vezes à custa de uma sementeira de infelicidades, os que influenciam leis que sossegam a consciência própria e anestesiam a alheia.
Sabemos que há situações graves de famílias que nasceram mal ou se deterioraram, e que as pessoas precisam, então, de quem tutele direitos em perigo, respeitando opções de quem nem sempre respeitou os outros. A vida equilibrada de um casal e de uma família nunca foi nem será uma tarefa fácil e um caminho apenas de êxitos. Mas, num casamento e numa família a sério, as dificuldades são desafios a responder com coragem e generosidade, com perseverança e paciência, com amor e esperança. O amor não é uma coisa que se faz, com o por aí se propala. É dom que se recebe e se permuta, riqueza que se vive e se cultiva, se defende e se disponibiliza. Assim todos os dias, para se poder construir o que o mesmo amor livremente ditou, como projecto de fidelidade diária e de felicidade sonhada e querida.
Muitos dos casamentos, desfeitos por divórcio ou arrastados por uma dolorosa resignação, foram abençoados pela Igreja, a pedido dos noivos. Não se pode ela lamentar pelos fracassos, se continua a aceitar este pedido por uma rotina acrítica. O acolhimento devido aos divorciados recasados não significa desvalorização do matrimónio, mas traduz cuidados de mãe, em relação às pessoas concretas e às novas famílias que surgem após um divórcio.
Impõe-se uma denúncia comprometia, pública e clara, sem subterfúgios, por parte dos responsáveis da Igreja, ante as leis que desvalorizam o casamento e destroem a família. É um problema social, não religioso, mas de responsabilidade pastoral. Ante este desmoronamento, a Igreja, sem olhar a riscos: ou serve as pessoas com a sua dignidade e direitos e, por este meio, as pessoas e a sociedade, ou tem de se interrogar, seriamente, para que serve ela própria e a quem serve de verdade.