Estado social, intocável para quem sonha um poder absoluto
António Marcelino
«Um Estado que vai além de si, se absolutiza como se fora do seu raio de acção a vida não fosse possível, se arvora em senhor de tudo e de todos de modo a que todos tenham de comer pela sua mão e agir com a sua licença, acaba sempre por esvaziar o povo dos seus deveres, não consegue satisfazer os seus apelos e deixa desvirtuar os seus normais direitos, que passam a traduzir-se por exageros sem resposta possível.
O dever do Estado Social obriga-o a satisfazer as necessidades fundamentais do povo no seu conjunto. Para isso recebe os impostos com a obrigação de os saber administrar com justiça e bom senso, com prioridades definidas a partir do que é essencial. A justiça social, não se esgota na administração pública, mas não dispensa esta de a respeitar.»
Os socialistas das diversas gerações e todos os que ficam à sua esquerda exasperam-se e não suportam que se fale de revisão do Estado Social e se possa reflectir sobre a sua dimensão e os parâmetros da sua acção. Um preconceito ideológico que diz pouco da democracia de quem nele se instalou.
Porque não se reflecte de modo livre, as contradições multiplicam-se, já que as pessoas reagem segundo os seus interesses e não segundo o interesse do país, ou melhor dito, o interesse do povo.
É evidente, e ninguém o pode negar, que o Estado tem uma dimensão social, traduzida em deveres inalienáveis. A soberania nacional não reside no Estado, mas no povo. Por vezes, nem o povo tem consciência desta realidade e é ele mesmo que engrossa o Estado fazendo dele a providência, a solução e o culpado de tudo o que não se faz.
Um Estado que vai além de si, se absolutiza como se fora do seu raio de acção a vida não fosse possível, se arvora em senhor de tudo e de todos de modo a que todos tenham de comer pela sua mão e agir com a sua licença, acaba sempre por esvaziar o povo dos seus deveres, não consegue satisfazer os seus apelos e deixa desvirtuar os seus normais direitos, que passam a traduzir-se por exageros sem resposta possível.
O dever do Estado Social obriga-o a satisfazer as necessidades fundamentais do povo no seu conjunto. Para isso recebe os impostos com a obrigação de os saber administrar com justiça e bom senso, com prioridades definidas a partir do que é essencial. A justiça social, não se esgota na administração pública, mas não dispensa esta de a respeitar.
Saúde, educação, estruturas de resposta a necessidades básicas, defesa e segurança, pública e social, são o campo normal da acção do Estado. Se não se pode alhear da melhor resposta a estes problemas, não se pode, porém, esquecer que querer agir sempre e sozinho para que todas estas coisas tenham resposta adequada e atempada é cair no estatismo e no poder absoluto e anti-democrático.
Permanentemente se apela à Constituição para não se rever situações anómalas, mas não se vê que muitas o são, precisamente porque a Constituição nasceu com defeitos graves de raiz, a que só por preconceito se fecham sempre os olhos. A Constituição não é muro de defesa das ideologias dos partidos, que, por si, não são nem intocáveis, nem de cariz imutável.
Na sociedade democrática há muitos dinamismos, importantes e fortes, que o Estado não pode ignorar nem dispensar. Pensemos em alguns exemplos evidentes: O que seria deste país sem as instituições particulares de solidariedade social? Que futuro teria a economia sem a iniciativa e a persistência das pequenas é médias empresas? Que mundo sem sabor e sem beleza aí teríamos, se não fora a criação artística de tantos, aos quais se poderá negar o pão, mas não se lhes pode cortar a raiz ao pensamento e ao estro artístico? Quem tiraria da miséria imerecida tanta gente humilde, se nela não houvesse coragem para romper fronteiras e procurar fora o que dentro não era possível?
Tudo isto não se faz nem se fez por vontade por decisão do Estado, que tantas vezes mais lhes pôs e põe entraves, que apoios. Os privados, pessoas e instituições, normalmente naquilo que lhes deixam, fazem melhor, mais depressa e com menos custos que o Estado. Mas, na mente dos fanáticos do Estado Social absoluto, tudo o que é privado cheira a capitalismo, neoliberalismo e exploração do povo. Veja-se, por exemplo, a linguagem redutora e antidemocrática quando se fala de escola pública, com se o ensino privado não fosse ensino público e apenas servisse os ricos ou a elites.
Em Portugal deixou-se de pensar e por isso se multiplicam os becos sem saída. Fecha-se a porta e asfixiam-se as melhores iniciativas. Vive-se a nostalgia daquilo que ontem se condenou dos países totalitários, que foram ruindo, sem remissão, por anacrónicos e caducos. Se se continua a considerar Estado Social como Estado absoluto, a estatização de pessoas e coisas, será o coveiro do país. Já faltou mais para um final sem glória.