1. O líder líbio, Muamar Kadafi está a comemorar os 40 anos no poder. Talvez esta longevidade no poder dê azo acrescentado aos improvisos e extravagâncias habituais que caracterizam o líder líbio e o trazem, a par de meia dúzia no mundo, para as capas dos jornais por motivos ao arrepio do bom senso. Há dias a tribuna das nações unidas foi o palco (melhor haveria?!) para a sua afirmação se situar em dois planos antagónicos: primeiro, defende o extremismo talibã; segundo, elogia o presidente Obama. Que dizer?! Talvez seja a derradeira forma diplomática de argumentar de Kadafi no rumo do seu sonho de imperialismo islâmico para a África... Nesse discurso de uma hora e 35 minutos, ignorando as regras da Assembleia das Nações Unidas, Kadafi conclui surpreendendo com o gesto do rasgar da Carta das Nações.
2. Sabe-se que este documento fundador, Carta das Nações Unidas ou Carta de São Francisco – assinada por 51 estados membros originais em São Francisco, EUA, em 26 de Junho 1945 – tem uma matriz tipicamente ocidental. Foi-se tornando relevante o seu peso congregador e foi crescendo o seu alcance em momentos destacados como o dia 10 de Dezembro de 1948, data da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Hoje este universalismo, encaminhado a partir da segunda grande guerra, consegue espelhar-se nas 192 Nações que se fazem representar na Assembleia-Geral da ONU e nas múltiplas abordagens documentais que procuram informar e envolver todas as latitudes do pensamento e acção humanas, também na linha essencial: educativa (UNESCO).
3. O gesto rasgador de Kadafi tem muito que se lhe diga. Uma atitude simbólica perturbadora que questiona fortemente o senso de quem rasgou, mas também o motivo por que rasgou: nessa altura ele atacava o domínio efectivo – do direito de veto – dos cinco membros do Conselho de Segurança: China, EUA, França, Grã-Bretanha e Rússia. Repensar a ONU? Da sua raiz ocidental à sua efectiva (onto)universalização?
Alexandre Cruz