Avó Dette
Agradeço a presença de todos os que compareceram na despedida da minha avó, Claudette Albino. Agradeço sobretudo a amizade.
Nos últimos meses a saúde da minha avó esteve bastante debilitada, no entanto a minha avó sempre foi uma mulher de força. Por isso, a mensagem que quero transmitir é uma mensagem de alegria e vida. Não quero que recordem a morte da minha avó, quero que recordem a sua vida. A minha avó para além de uma excelente profissional, cidadã e amiga era uma mulher extraordinária.
Foi a minha avó que me ensinou a ler antes de entrar na primeira classe, ensinou-me também a tabuada enquanto jogávamos a bola. Podia contar centenas de episódios da vida da minha avó no entanto demoraria uma eternidade. Elegi dois que penso que transmitem bem a mulher que eu quero que lembrem.
Certo dia, estava com a minha avó no sótão de sua casa. A minha avó estava de gatas a ensinar-me a saltar ao eixo quando entra o meu avô e diz “Claudette, olha que tu pela tua neta só não fazes o pino!”. A minha avó logo respondeu “Não faço, mas fazia. E se calhar ainda faço”. Nisto, fecha a porta do sótão, encosta-se à parede e faz o pino. A partir desse dia a frase do meu avô alterou-se, deixou de ser “… só não fazes o pino” e passou a ser: “Claudette, pela tua neta, até fazes o pino”.
Uns anos mais tarde, no quintal dos meus avós, caiu de um ninho um passarinho que ainda não sabia voar. A minha avó acolheu-o, levámo-lo para dentro de casa e pusemo-lo numa caixa com uma manta e um prato com pão aguado. Ao final da tarde fomos vê-lo e ele não tinha comido nada. A minha avó pegou-lhe, pôs o pão aguado na boca dela e alimentou o passarinho que debicou a comida dos seus lábios.
Esta é a Avó Dette, a minha avó. Esta é Claudette Albino. A mulher que me mimou e acarinhou sempre, a mulher que me ensinou com amor e seriedade a importância de ser uma boa cidadã, levando-me com ela a eventos dos Lions, a mulher que até hoje e em toda a minha vida, me fará crescer.
Considero-me a sua neta mais sortuda por ter tido a alegria de viver com ela durante mais tempo e em anos em que a saúde era outra.
A minha avó era a Avó, no verdadeiro sentido da palavra. A Avó que educa, e que “deseduca”, no sentido de brincadeira da palavra. A avó que em idas ao cabeleireiro, quando eu era mais pequena, me deixava escolher os cortes de cabelo e fazer as madeixas que a minha mãe não deixava, porque eram de facto horríveis, mas na altura eu adorava e ficava felicíssima só por poder decidir.
A minha avó é o meu ídolo e agora espero que ela possa realizar o seu último desejo: reunir-se à sua avó, uma mulher de quem também muito me falou, julgo que pelos mesmos motivos que me farão falar para sempre dela.
A minha avó é sem dúvida uma das mulheres mais extraordinárias que, todos os que com ela conviveram de alguma forma, tiveram a oportunidade de conhecer.
Obrigada
Ana Cláudia Cardielos
.NOTA: Há jovens que nos dão extraordinários exemplos de vida. Pela forma serena como enfrentam situações difíceis; pela coragem como reagem às adversidades; pela lucidez como vencem barreiras alimentadas por tradições ancestrais; pela espontaneidade como manifestam o amor por alguém; pelo á-vontade como sublinham a ternura por quem os orientou na vida; pela sensibilidade como proclamam vidas com sentido.
Por tudo isto, que percebi no texto que me foi enviado por pessoa amiga, publico, neste meu espaço, a mensagem de alegria, que Ana Cláudia Cardielos proclamou na hora em que tantos se despediram da sua avó Claudette, com desejos de que os amigos e familiares não fiquem com a sua morte, mas que recordem a sua vida.
Fernando Martins