Made in Pamplona
1. As notícias quase que estranham o facto de ainda não ter havido neste ano, até ao momento, nenhum morto. A largada de touros pelas ruas de Pamplona, por ocasião das festas de São Firmino (um dos santos patronos da região de Navarra, que nada tem a ver com isto…!), pertence àquelas tradições que nos deixam sem palavras. A “barbárie” recheia o turismo mas faz mal à mente; são milhares e milhares os turistas provenientes de muitos países para ver e, corajosamente, correr à frente dos touros que atravessam os cantos e recantos da cidade antiga de Pamplona. Diz-se que os turistas vêm à procura de grande “adrenalina”; mas não a querem por completo pois não correm de frente para os touros! Os resultados são feridos e mortos; todos na lógica o sabem e atiram-se com predisposição ao que vier… No primeiro dia só conseguiram oito feridos!
2. Mobilizam-se os serviços de urgência, bombeiros a socorrer os voluntariamente atropelados; os cuidados de saúde ajudam os que quiseram, consciente e livremente, ser “comidos” pelos touros. Nas bermas bate-se palmas aos valentes corajosos, grita-se, descarrega-se numa catarse a ver quem fica no chão. Os touros vão correndo no seu instinto a limpar o caminho até à arena final, a praça de touros. Tudo estranho e organizado; tudo, diga-se, sinal explícito de subdesenvolvimento civilizacional que vende grandes lugares turísticos, e ainda por cima continua a usar-se um “nome de santo” para carimbar a fasquia da intocável tradição. Faz lembrar o que acontece com São João Baptista, foi condenado por causa de uma festa e um baile, depois de defender causas de libertação, verdade e justiça; e agora fazem-se festas e bailes em nome do Santo...
3. A proclamada ordem do progresso e do desenvolvimento no não foi capaz de diferenciar e “libertar” a história de certas amarras que em nada contribuem para um diário bem comum. Há romarias e tradições lindas e dignificantes (a fortalecer e a continuar); mas há determinados hábitos tradicionais que em nada favorecem uma sociedade pacífica e harmoniosa (estes a redireccionar ou mesmo, corajosamente, a terminar). Até parece que o próprio “princípio da racionalidade” como diferenciador do que é bom e do que é mau, acaba por ficar diluído e longe das grandes manifestações colectivas que representam a ponte com a história das gentes. E mais ainda: quase que se procura o que é esquisito, diferente, contra-natura, enaltecendo-se esses heróis que enfrentam as fronteiras da vida e dos touros.
4. As ruas de Pamplona, que já não precisavam de tanta publicidade; estão em todas as estradas do mundo quando os valores da paz e do sentido de Humanidade é ameaçado.
Pena que assim continua a ser! Claro que se alguém lá disser isto está liquidado… Mas também “temos” parcelas desta inquietação. A razão humana ainda tem “faces animalescas”, ainda não cresceu até ao nível de cada momento de vida pensar e activar o desígnio da paz! A única via para o futuro comum.