Quem hoje visita a GAFANHA DA NAZARÉ, se embrenha no seu emaranhado casario, onde o contraste entre o rico e o pobre se tornam flagrantes, e percorre a zona portuária e industrial, talvez nem imagine o que foi o viver dos primeiros habitantes que por aqui se foram fixando desde o século XVII, e, sobretudo, nos finais do século XIX e princípios do século XX.
A gente humilde que por esta região se foi quedando no amanho da terra pouco fértil, porque muitas vezes lavada pelas águas salgadas, nem sequer sonhava com a Gafanha que estava a construir e fadada para pólo de desenvolvimento. Antes da abertura da Barra, que aconteceu em 3 de Abril de 1808, a região lagunar era terra doentia e as águas estagnadas muito contribuíram para isso. Mas depois, quando “Pelas sete horas desse dia, Luís Gomes, abrindo um pequeno sulco com o bico da bota, no frágil obstáculo que separava a ria do mar, deu passagem à onda avassaladora da vazante para a conquista da libertação económica, depois de uma opressão que durara sessenta anos”, como descreve o Comandante Rocha e Cunha, a Gafanha viu nascer novas esperanças. As areias movediças, varridas constantemente por ventos carregados de salmoura, desafiaram a tenacidade deste povo que teimava e acreditava numa agricultura de certo modo próspera, embora complementar de outras actividades nascidas com a abertura da barra. A pouco e pouco, a persistência e o suor dos gafanhões fizeram o milagre. Das águas da ria vinha o moliço que os gafanhões nas margens recolhiam sem correrem o risco do moliceiro. Essa aventura do moliceiro surgiria mais recentemente, à medida da necessidade e da descoberta da impossibilidade de se viver de costas voltadas para a ria que também lhes oferecia sem grande esforço o peixe. E com o moliço, operou-se, então, a transformação de muitos conhecida. A terra fertilizada novas gentes atraía.
Barra e gentes, gentes e barra, mais porto e dinamismo, operaram o milagre da Gafanha de hoje, onde trabalho não falta, nem deixa de crescer a aposta de mais e melhor da sua gente empreendedora. E ao falarmos da sua gente, dos gafanhões de hoje, ocorre-nos recordar as suas origens mais recentes. Dos concelhos de Vagos e Mira veio quem já conhecia o que o esperava. Habituados a estes areais, sabiam bem as voltas que lhes dar. Depois Beiras e Minho, sobretudo, invadiram secas e estaleiros, oficinas e marinhas, ajudando significativamente na construção da moderna Gafanha, que serve de berço a um dos mais importantes portos portugueses, o Porto de Aveiro, sempre na senda de novos desafios. Aliás, o Porto de Aveiro, instalado na Gafanha da Nazaré, não deixará de ser mais um motor de novos desenvolvimentos, que hão-de contribuir, de forma expressiva, para o progresso económico da zona centro do país, e não só. E atrás do progresso económico, outros surgirão à mistura, certamente, com alguns reveses que as populações, os autarcas e os responsáveis nacionais, de mãos dadas, saberão atempadamente ultrapassar. Refiro-me, nomeadamente, à criação de infra-estruturas adequadas ao desenvolvimento demográfico inevitável É que um porto dinâmico é sempre uma causa de novos núcleos populacionais.
O porto é hoje a razão de ser da Gafanha e referência constante nas conversas e trabalhos, nos projectos e discussões. Também de alguns descontentamentos, principalmente se não são considerados os interesses fundamentais das populações, as que mais directamente sofrem as consequências negativas que num ou noutro caso não podem ser evitadas.
Fernando Martins