A IBÉRIA
“Portugal acabará por integrar-se na Espanha... num país chamado Ibéria.” Esta foi a ideia bombástica proclamada pelo Nobel da Literatura José Saramago, há anos a residir em Lanzarote, uma ilha do país vizinho. Em resposta, não faltaram palavras e escritos de indignação, por se considerar tal afirmação como antipatriota e até irrealista. Confesso que não vou por aí.
Portugal, há nove séculos, nem sequer existia e quando nasceu, presumivelmente em 1143, não era nenhuma nação, conceito que talvez nem existisse. O que havia, muito simplesmente, era interesses económicos e de poder de uns tantos senhores de Ribadouro, que gostavam de zelar pelo que era seu, sempre com ânsias de aumentar o seu poderio.
O conceito de nacionalidade veio muito depois, tendo-se manifestado, mais concretamente, em Aljubarrota e nas lutas então travadas com Castela. Depois, Portugal cresceu com os descobrimentos e conquistas, surgindo posteriormente a ideia de nação multicultural, multi-racial e multicontinental já no século XX.
Há uns 50 anos, os portugueses acreditavam que Portugal estava mesmo, como nação, em todos os continentes, tendo como unidades intrínsecas e fundamentais a língua e a religião comuns. Pura utopia. Nunca conseguimos levar todos os povos que dominámos, pela força ou pela persuasão do diálogo, a falar, na sua grande maioria, o português, nem, tão-pouco, a comungar a mesma fé.
É certo que milhões de brasileiros falam a língua de Camões, no entanto de forma original, de maneira cantante e expressiva, com variantes que nem sempre entendemos, que os cabo-verdianos nunca puseram de lado o crioulo, que em Angola, Moçambique e Guiné há linguajares próprios em cada etnia, que em Timor e Macau muito poucos já se entendem num português escorreito.
Depois, como toda a gente sabe e sente, com a entrada na UE, por razões meramente económicas e sociais, aderimos a um processo histórico que, mais tarde ou mais cedo, conduzirá a uma diluição da nossa cultura e identidade. Não será um processo rápido, mas, mais século menos século, produzirá os seus efeitos, que, decerto, não estaremos cá para ver.
Há 900 anos não existíamos como nação. Não serão precisos outros tantos anos para fazermos parte de um mundo que nada tem a ver, politicamente falando, e não só, com o actual. As fronteiras serão outras, as línguas e os interesses culturais, sociais, políticos e económicos sofrerão as consequências da lei do mais forte e nada será igual aos sonhos que temos sonhado. Portugal, pura e simplesmente, poderá não existir.
Claro que nós, enquanto por cá andarmos, temos a obrigação de o defender, para o podermos legar aos vindouros, tal como o recebemos. Uma coisa é certa: a minha geração, que acreditou na tal nação multicultural, multi-racial e multicontinental, já vai deixar uma outra, mais pequenina e um pouco perdida num recanto da Europa, sofrendo as influências de ventos vindos de todos os lados, com cargas culturais que há décadas nem sonhávamos. Quem nos garante, então, que José Saramago não terá alguma razão?
Quem sabe até se o tal país Ibéria não teria alguma lógica, ao menos para nos aguentarmos mais uns séculos, por poucos que sejam?
Vamos indo e vamos vendo, como diz o cego. Eu cá gostaria que Portugal fosse eterno. Mas como eterna só é a nossa alma… em Deus…
Fernando Martins