terça-feira, 1 de agosto de 2006

Um artigo de Alexandre Cruz

Pequenos, mas grandes vedetas!
“(A)pareço,
logo existo”
1. Nos nossos dias a televisão é uma autêntica produtora de vedetas. São dia-a-dia, também com a ajuda das praias dos veraneantes, criados e fomentados heróis cujo sonho é aparecer na novela. Sejam “morangos”, com ou sem açúcar, mas com floribelas à mistura, tudo foi pensado, criado, idealizado para criar hábito, estilo, moda. Se formos a ver e analisar o fenómeno destas novelas de concorrência que criou moda em Portugal, a certa altura apercebemo-nos de que o segredo está em trazer e consagrar a “realidade”, viva (nos “morangos”) ou sonhada (na “floribela”) para o ecrã da televisão. Nesta forma hábil e implacável de captação pela proximidade estará todo um mundo de contextos sociológicos, de vontades pessoais que se projectam, e de vedetas, heróis, que se criam simplesmente por aparecerem e dizerem uma “coisas” que, porventura, todos os dias se dizem, com calão à mistura, por aí. Na táctica do descomplicar para atrair, toda uma geração de gente nova do nosso país, mais coisa menos coisa, se revê no seu herói, se projecta nesse ideal que é tão banal quanto próximo, mas que existe e fala “como nós”…e assim sendo, pensará o adolescente, estamos a um passo de lá ir, de aparecer, de também “ser herói”. Tudo tão simples, tão prático, nem é preciso fazer nada de especial… Para a vedeta heróica bastará “aparecer”, mostrar a imagem e o “bronze”, o que é bem melhor que estudar!... 2. Este império das vedetas construídas na “banalidade” está aí, é irrefutável! Só nas consequências em futuro próximo se perceberá totalmente a grandeza desta ilusão colectiva da “malta” nova. E depois, quando acabar a novela? E quando se descer à realidade e todo esse castelo se desmoronar pela “fama” que, afinal, não existe? Se pensarmos que muitas vezes até as pessoas adultas (artistas, desportistas, “jet set”!) que atingem certo patamar de visibilidade e fama, se até estas pessoas, quer fartas da perseguição da imprensa cor-de-rosa quer pelo fim do próprio protagonismo e visibilidade, não aguentam o “choque” da realidade caindo no vazio… Então com crianças e adolescentes, como será?!... Quem não se lembra do famoso “caso Zé Maria”, o herói das galinhas do primeiro Big Brother, que de fama e dinheiro abundante desceu até à miséria do “abismo” da tentativa de suicídio. Por muito que se diga que as crianças e os adolescentes que aparecem na “novela” estão preparados para tudo, a verdade é que não estão preparados para nada disto; são pessoas em construção de sua identidade, personalidade, ideias, esperanças, projectos de vida. Com toda a liberdade realista fará sentido perguntar: quem pagará a factura de sua possível desorientação de vida, ansiedades, possível dificuldade em conviver com o “mundo real” onde não há heróis? O canal de televisão ou a produtora pagarão a despesa do médico, psicólogo,…?!... 3. Dizem-nos, habitualmente, que até uma certa idade é proibido trabalhar, e até em interpretações mais radicais não será permitido à criança começar a ajudar em casa, a lavar a loiça, limpar, aspirar, por a mesa, regar o jardim! E até assistimos a “processos-crime” atribuídos a instituições que acolhem crianças abandonadas por seus pais porque são iniciadas no realista mundo do trabalho, onde há esforço, de forma progressiva… Afinal, o que se passa com este mundo do espectáculo televisivo? Crianças em novelas e filmagens (tarefa muitíssimo exigente) não será trabalho infantil? Pertencerão ao mesmo país as normativas que de um lado proíbem e do outro permitem com visibilidade espectacular o duro trabalho de crianças na TV? O que e passa que por trás de tudo isto, fazendo dando às produtoras de televisão toda a isenção? O trabalho de crianças em novelas é ou não é trabalho infantil?!... 4. Grandes conseguem ser os pais e as famílias que, no máximo esforço da vida de cada dia para estarem sempre presentes, procuram transmitir aos “seus” os verdadeiros valores, ajudando a “pensar” e a dar valor de forma proporcionada. Como é natural, e este também é um tempo especial para quem tem essa oportunidade, dando lugar em férias ao entretenimento saudável que retempere as forças, a energia, a esperança, o ânimo fundamental (mesmo nas circunstâncias mais complicadas da vida, esta bem exigente que não é uma novela fictícia)… Depois de tudo, uma coisa é certa, e aponta o caminho do verdadeiro bronzeado a seguir: partindo do célebre pensamento grego “mente sã em corpo são”, talvez seja, a bem de todos os futuros, de dar mais “espaço” e valor ao “bronze da mente”! Afinal, a verdadeira grandeza, e o único caminho da verdadeira construção que não cai, mesmo com o “sonho”, reside no que se “é” e não no que se quer mostrar ou parecer ser! O filósofo, no seu tempo, apostava na palavra certeira ao dizer: “penso, logo existo!” E não, como em algumas modas actuais: “apareço…pareço, logo existo!” (Esquecendo o “pensar”, estaremos a regredir no tempo em termos de Humanidade?!...)

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