Não há percurso sem obstáculos, nem obstá-culos sem uma "pas-sagem". Há sempre uma "passagem" num caminho sinuoso. E mesmo quando o obs-táculo se apresenta inultrapassável, há sempre um impulso no âmago da convicção, seja a teimosia do instinto ou uma qualquer inter-venção do transcendente.
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Os judeus evocam a Páscoa como a passagem do "anjo da morte" ao lado da casa dos filhos de Israel, poupando-os ao sacrifício. Mas fazem a festa como celebração da liberdade e encontro com a "terra prometida" após uma "passagem" pelas adversidades do deserto.
Os cristãos, moldados pela fé na vitória sobre a morte que é esperança de salvação do espírito, reenquadraram o sentido da "passagem" na inevitabilidade da própria vida. A Quaresma, vivida no contexto cíclico de uma natureza que tem de "morrer" para voltar a ser fértil, remete para o sentido das limitações. Para o óbvio das dificuldades vividas ou por viver.
"Morrer" nas contingências do quotidiano, para "nascer" de novo e descobrir a "passagem" dos obstáculos que atormentam. O deserto que os calendários religiosos lembram por estes dias é por isso uma metáfora da própria existência. No limite do inexplicável, a liturgia cristã deste tempo lembra o episódio de um homem que, no extremo do sofrimento, perdoa os que não o compreendem e lhe causam a morte.
Um absurdo? Embora transversal e inevitável nas relações, o "perdão" é hoje uma palavra gasta, um valor incompreendido. Implica dois sentidos. Só perdoa quem promove sinceramente a valorização do outro para voltar a fazer encontro. A paz, na dimensão utópica da plenitude ou na concretização pontual e verdadeira, é sempre uma "passagem" no final de um percurso com difíceis atalhos de perdão…