domingo, 15 de janeiro de 2006

Um artigo de Anselmo Borges, no Diário de Notícias

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Anselmo Borges
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Pastores e magos,
cristianismo e dignidade
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Como tudo o que é finito, a quadra natalícia está marcada pela ambiguidade. Somos "obrigados" a escrever, a telefonar, a este e àquela. Temos de avançar para visitas que nos maçam. Espera-se que se faça o jeito de comer uns pratos e uns doces segundo as convenções. Há uma procissão de presentes que é preciso dar e receber, com alegria disfarçada. Mas também é verdade que há encontros que nos dão o sentimento de plenitude. Parece que nos tornamos melhores durante esses dias. Acontece o pequeno presente de alguém que estimamos sinceramente e que julgávamos definitivamente ausente. Há aconchegos reconfortantes. No meio daquela agitação paralisante, também há ilhas de exultação criadora.
Agora, tudo isso é passado. Regressou o quotidiano, prosaico, baço, exaltante. Já à distância, talvez possamos ir ao que é mais essencial daquela festa mágica, que nos mimou a infância e que alguns dizem que devia ser todos os dias - o Natal.
Mesmo que muitos já se não lembrem disso, o que é facto é que o Natal se refere ao nascimento de Jesus Cristo, figura determinante da história universal. Quer se seja crente quer não, é preciso reconhecer que a ideia de pessoa enquanto dignidade intangível e sujeito de direitos invioláveis, porque divinos, se impôs por causa dos debates à volta da tentativa de compreensão do mistério de Cristo.
Embora, historicamente, os Direitos Humanos tenham tido de abrir caminho contra a Igreja oficial, há quem lembre, não sem razão, que eles têm na sua raiz também a mensagem bíblica, não sendo por acaso que "nasceram" em sociedades marcadas pelo cristianismo.
Pensadores da estatura de Hegel, Ernst Bloch e Jürgen Habermas reconheceram que foi pela fé no Deus feito homem em Jesus Cristo que se explicitou no mundo a consciência da dignidade infinita de ser homem.
Hegel afirmou expressamente que na religião cristã está o princípio de que "o homem tem valor absolutamente infinito".
E. Bloch, o ateu religioso, repetia que foi pelo cristianismo que veio ao mundo a consciência explícita do valor infinito de ser homem, de tal modo que nenhum ser humano pode ser tratado como "gado".
Mais recentemente, J. Habermas, agnóstico e um dos maiores filósofos vivos, escreveu que a democracia se não entende sem a compreensão judaico-cristã da igualdade radical de todos os homens, por causa da "igualdade de cada indivíduo perante Deus".
O núcleo da mensagem de Jesus é este todo o ser humano tem uma dignidade que não pode ser violada, porque o seu fundamento é Deus.
O Deus que Jesus anuncia é aquele cuja causa é a causa do homem e a sua plena realização. Por isso, os Evangelhos proclamam que, logo no nascimento de Jesus, esta mensagem foi anunciada a todos os homens de boa vontade, a começar pelos mais pobres e fracos, concretamente pelos pastores, malvistos porque "impuros" e se encontravam à margem da prática da religião.
Mas esta boa nova é para todos, portanto, para lá do chamado povo eleito ela abrange os pagãos.
É inútil procurar possíveis acontecimentos astronómicos em ordem a esclarecer a estrela dos reis magos, que surge no Oriente, como não tem sentido investigar quantos eram e donde vinham.
De facto, aqui utiliza-se linguagem simbólica para transmitir o essencial do Evangelho Deus manifestou-se como favorável a todos os homens e está do seu lado, também dos pagãos, e sobretudo dos mais fracos, marginalizados e abandonados.
Foi no quadro da influência cristã que Immanuel Kant apresentou como núcleo da moral o respeito para com a humanidade "Trata a humanidade na tua pessoa e na pessoa de todos os outros sempre como fim, nunca como simples meio.
"As coisas são meios e, por isso, compram-se e vendem-se e têm um preço. O homem, porém, não tem preço, porque é fim e não meio. Ele tem dignidade.
Aí está a razão por que é discutível que Portugal seja um país católico.
De facto, a maioria da população declara-se católica nas estatísticas. Ora, talvez seja católica, mas cristã não é com certeza. Se o fosse, não haveria dois milhões de pobres e 200 mil pessoas que lutam com a fome.
Por outro lado, uma sociedade equilibrada e justa caminha para um tipo de figura que se aproxima da do ovo a parte do meio é vasta e as pontas (os ricos e os pobres) são arredondadas. Entre nós, porém, cava-se cada vez mais fundo o abismo entre os muito ricos e os pobres e muito pobres: a ponta da pirâmide aguça-se e a base é cada vez mais ampla.
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Nota: Anselmo Borges é padre católico
e docente de Filosofia na Universidade de Coimbra.

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