quinta-feira, 24 de novembro de 2005

Um artigo de D. António Marcelino

Posted by Picasa D. António Marcelino
CAMINHOS NOVOS
PARA ÓDIOS VELHOS Quem tem olhos que veja, quem tem ouvidos que ouça, quem tem coração que aprenda e ame: palavras de sabor bíblico que podem servir de caminho para reflectir serenamente e para novas atitudes, tal é a eloquência dos factos que elas iluminam. O DN de 12 de Novembro titulava a notícia assim: “ Menina israelita recebe coração palestiniano”. E, com realce, a tradução da notícia é esta: “Khatib foi morto por tropas de Israel. O coração do menino palestiniano bate agora no peito de uma rapariga israelita.” Traz-se ainda à memória que, há quatro anos, um farmacêutico palestiniano, assassinado por um israelita, tem o seu coração a ajudar a viver um judeu. Igal Cohen, o beneficiado pelo transplante, disse esperar que este viesse a trazer a paz entre as duas nações em guerra e amassadas em ódios. Li, comovi-me, recortei a notícia para poder fazer acerca dela um eco e um ponto de reflexão que possa chegar a quem a não leu ou depressa a esqueceu. Bem tortas as linhas por onde Deus escreve direito, e bem difícil ser lida esta escrita eloquente, quando o coração se fecha à luz esplendorosa e única de um amor sem fronteiras. A verdade é que todos precisamos de todos. A guerra e a luta fratricida, o orgulho e a indiferença ostensiva, o ódio e o preconceito que cega, são sempre uma loucura humana, porque agravam a memória das ofensas mútuas e fazem perder o bom senso que se dobra perante factos de vida. Não se vê caminho mais eloquente para o final de uma guerra com anos a mais, que estes factos que Providência vai suscitando e para os quais não há fronteiras que resistam, a não ser as da frieza pessoal ou nacional que se nega a aceitar que o perdão é a riqueza que mais e melhor traduz a grandeza interior e dá nobreza de alma às pessoas e aos povos. A paz tem sempre um preço que ninguém paga por inteiro se se recusar a passar pelo caminho da humildade, a única atitude de alma capaz de reconhecer culpas e méritos, próprios e alheios. Que pobreza esta que leva à morte irmãos, por palmos de terra, e não é capaz de perceber a riqueza do gestos que dão vida!... Todos somos devedores de amor uns aos outros e há sempre o momento em que a dívida vem ao de cima, tendo a emoldurar, como fundo, a fragilidade de quem precisa e a generosidade de quem faz bem sem olhar a quem. A verdadeira paz não é, nunca nem apenas, fruto dos arranjos diplomáticos ou da intervenção de amigos preocupados. A mediação ajuda a aplanar caminhos de paz, mas só um coração humilde é capaz de a construir com esperança de solidez, porque só ele é capaz de amar.

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