quarta-feira, 18 de maio de 2005

Um artigo de D. António Marcelino

Os crucifixos das escolas e as alminhas das estradas...
Quando há anos saudei o Dr. Manuel Alegre, então responsável do Ministério da Comunicação Social, para lhe desejar o melhor êxito, num campo ainda muito armadilhado mas de grande alcance público, tinha eu, ao tempo, igual responsabilidade no mesmo sector da Conferência Episcopal Portuguesa. Recebi dele um cartão de agradecimento, muito expressivo e gentil. Nele me dizia que o PS sempre respeitaria a Igreja, pois tinha consciência de que a história de Portugal não se pode fazer, sem ter presente a acção da Igreja ao longo dos séculos.
A Igreja era, então, tida como uma benemérita do povo, que atravessava o tempo. As pessoas cultas, crentes ou agnósticas, respeitam, sem favor, a verdade histórica e percebem nela o entrelaçado que a tece e o dinamismo que a comanda. Só por cegueira ou preconceito, se pode turvar água limpa que jorra e corre para bem de todos.
Apareceu há tempos uma associação, da qual não se discute a legitimidade de ser o que quiser, com o objectivo, por exigência do laicismo, de apagar sinais do cristianismo, conspurcar a acção histórica da Igreja, fazer tábua rasa de valores morais e religiosos da nossa tradição e cultura. O alvo é sempre a Igreja Católica, como se os seus membros responsáveis fossem um grupo de bandoleiros que pretendem impedir a luz e os ventos que sopram da Europa laica. E o braço político, temerário e submisso ante pequenos grupos aguerridos, parece entrar na campanha, tão pobre de cultura, como de cidadania.
Agora, é a caça aos crucifixos que, depois da Revolução de Abril, ainda se vêem em algumas escolas do Estado. Temo-los visto, aqui e ali, por vezes limpos e com flores, e, também, com pó e teias de aranha. Vá lá limpá-los quem é pago pelo estado laico!...
O Crucifixo! O mais significativo gesto de amor da história humana, com sinais de séculos na bandeira nacional, agora ofende o laicismo!... A senhora Ministra já deu ordens para que se saiba das transgressões, se tomem providências, se acabe com o escândalo do que resta ainda de sinal religioso nas escolas. A inquirição, segundo a denúncia feita, atinge ainda os que permitem estranhos a falar de Deus nas escolas. O grande problema da educação em Portugal é, então, a existência de sinais religiosos que desorientam crianças e não respeitam o laicismo de todos! Os professores que educam crianças concretas, em terras e famílias concretas, não podem ter critérios educativos próprios, a menos que sejam critérios laicos… O Estado é o dono das crianças e seu protector. Os pais que não se metam onde não são chamados, tanto mais que há agora gente laica, que ninguém conhece, preocupada com os seus filhos…
A associação está tão zelosa por defender “o espaço público que garanta a laicidade de todos”, que não me admiro que venha a pedir também a retirada dos símbolos religiosos da bandeira nacional, onde estão desde há séculos, e a exigir a destruição das “alminhas”, devoção do povo “ignorante”, espalhadas por essas estradas do país, a poluir os horizontes de todos e a incomodar os não crentes incómodos. Não me admiro que se mova uma cruzada que expurgue das vias publicas tudo quanto é nome de santo, de igreja e convento, e se ordene um bota abaixo de estátuas de gente ligada à religião cristã, porque as ruas e praças de todos são precisas agora para personagens da família laica a promover, gente de que ninguém conhece pai nem mãe, nem feitos que mereçam honras… Um vendaval de zelo anti cristão, mais sofisticado que o da I República, que prometeu acabar com a religião em poucas gerações…
Tudo em nome da Constituição da República. Esta consagra, de facto, a separação da Igreja e do Estado ou o Estado não confessional. Todos aceitamos ser este um regime actual e benéfico. Mas é isto o “estado laico”, que parece querer uma guerra religiosa, tão tola como fora do tempo? Se entramos num regime pidesco que, sob pretensão de legalidades, se põe a agir, desprezando o bom senso e o povo que não é órfão e sabe o que quer, certamente que não é a paz o que procuram ou pretendem os novos laicos.

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