segunda-feira, 19 de julho de 2021

Cesário Verde - Uma evocação

Ave-Marias

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba-me;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos,
Embrenho-me a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinido de louças e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.

Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!

Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.

Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!

In O Livro de Cesário Verde

NOTA: Cesário Verde morreu neste dia, 19 de Julho,  de 1886.

Nem Jesus teve as férias que planeou

Crónica de Bento Domingues 



Não temos as férias que precisamos ou desejamos. São as possíveis e, muitas vezes, são impossíveis. São o reflexo de uma sociedade muito desigual e injusta.


1. Estamos em época de férias. O ser humano, para se respeitar a si próprio, tem de satisfazer várias dimensões da sua vida. O descanso, as férias, segundo as diferentes culturas, lembram que o ser humano não é só para trabalhar.
Não temos as férias que precisamos ou desejamos. São as possíveis e, muitas vezes, são impossíveis. Dependem de muitos factores: da idade, da saúde, da profissão, da capacidade económica, etc. A fragilidade das férias depende da fragilidade das pessoas, das situações e das instituições. À partida, são o reflexo de uma sociedade muito desigual e injusta. O direito a férias não as pode garantir.
Na aldeia em que nasci, ninguém sabia o que eram férias. Eram sobretudo as festas religiosas, muito frequentes a partir de Maio, que interrompiam a dureza do trabalho e incentivavam as expressões da cultura popular. É verdade que, semana a semana, o Domingo marcava o ritmo do tempo, chovesse ou desse sol. Nesse dia e nos dias “santos de guarda”, o trabalho era obrigatoriamente suspenso.

domingo, 18 de julho de 2021

Dia Internacional de Nelson Mandela

Hoje, 18 de Julho, celebra-se o Dia Internacional de Nelson Mandela, um dos grandes obreiros da democracia e da paz mundial. Nasceu a 18 de julho de 1918 e faleceu a 5 de dezembro de 2013. No seu país, África do Sul, conseguiu pôr fim ao apartheid e lutou incansavelmente para acabar com o racismo, a pobreza e a desigualdade, marcas terríveis da sua pátria. Em 1993 recebeu o Prémio Nobel da Paz.
Pela sua grande capacidade de perdoar, é considerado um santo laico.


Férias - Um direito de quem trabalha ou estuda


As férias são um direito de quem trabalha ou estuda e não dos que nada fazem nem querem fazer. De quem trabalha e estuda seja em que área for e tenha a idade que tiver.
Para além de um direito, as férias são também uma necessidade. Todo o ser humano,  por mais capacidade que tenha, sentirá que o físico e a mente têm limitações que o aconselham a parar para refazer energias e para  se reorganizar com vista a tornar-se mais eficiente no dia a dia.
Porque a vida não pode ser só trabalho e preocupações, tenciono oferecer aos meus leitores, periodicamente, algumas sugestões para os tempos de férias ou lazer. E também gostaria de publicar sugestões dos meus amigos e leitores. Fico a aguardar.
Boas férias e excelentes momentos de lazer para todos.

FM

sábado, 17 de julho de 2021

Ética e religião

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Anselmo Borges 
Aí está um tema cujas relações precisam de esclarecimento, nem sempre fácil. Várias vezes aqui referi a Declaração sobre Ética Mundial, assinada em Setembro de 1993, em Chicago, por representantes das grandes religiões e movimentos religiosos do mundo. Nela se escreve que há princípios éticos fundamentais e universais em que, desde que se preste atenção, as pessoas religiosas estão de acordo: "Não matarás, não mentirás, não roubarás, não abusarás da sexualidade." Deverá mesmo afirmar-se que historicamente a moral deriva das religiões, estas foram estabelecendo regras morais.
No entanto, o próprio teólogo Hans Küng, que faleceu em Abril deste ano, principal responsável pela Declaração, reconheceu que também sem fé em Deus se pode ter uma atitude ética: um agnóstico ou um ateu podem "assumir perfeitamente a totalidade da Declaração sobre ética mundial". A moral é autónoma.
Do ponto de vista histórico, é sabido que as religiões também propuseram ou defenderam comportamentos que hoje consideramos imorais. Qual é, por exemplo, a religião que não tem responsabilidade alguma em guerras por motivos religiosos? É incontável o número de pessoas que ao longo da história viram a sua vida torturada e envenenada pela religião.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

Praia de São Jacinto

Foto registada em 2008


 Praia de São Jacinto, a única praia marítima do concelho de Aveiro. Registei esta foto em 2008 em dia que me ficou na memória pelo ambiente que interiorizei. A natureza na sua pureza, com ar fresco e sadio, e a possibilidade de se caminhar para ver o mar que nos une a diversíssimos povos. Longe de ruídos e agitações, a Praia de São Jacinto é espaço à espera de quem aprecia uma vida serena no contacto com horizontes inebriantes. Mesmo de passagem, vale a pena uma visita sem pressas.

Um olhar positivo e de esperança

Artigo/Crónica por António Moiteiro
no Diário de Aveiro

Não existem dúvidas de que a imprensa regional é a grande fonte de informação da população e é relevante na divulgação de acontecimentos locais e crucial para o desenvolvimento de uma comunidade. É com alegria que saúdo o jornal Diário de Aveiro na celebração dos seus 36 anos de existência ao serviço das gentes de Aveiro.
Celebrar esta efeméride é ocasião propícia para fazer uma reflexão com os leitores que procuram nas suas páginas as informações mais destacadas da sua terra. Não é possível fazer a história da cidade e da própria Diocese nestes anos sem recorrer às suas páginas. Este Diário tem contribuído para a preservação do património cultural, histórico e social e regional, dando visibilidade a pessoas, instituições e eventos.
Como bispo da diocese de Aveiro, gostaria de partilhar com os leitores alguns dos desafios que se colocam à comunidade crente, que participa das alegrias e tristezas das pessoas que vivem nesta zona do nosso país. O primeiro é a promoção da dignidade do ser humano.