no PÚBLICO
1. O que já podemos saber é que nós ignoramos o que é o ser humano. Pelo pouco que conhecemos do nosso passado, pelo turbilhão do presente e pela incerteza acerca do futuro, verificamos que somos um programa tão aberto que nunca poderá oferecer garantias de que dê sempre certo. Quando repetimos que somos essencialmente desejo, também sabemos que há bons e maus desejos.
Através dos nossos labirintos interiores, das contradições sociais e culturais e da anarquia louca dos nossos apetites, de forma consciente ou inconsciente, somos, apesar de tudo, desejo de plenitude. Muitas vezes criminosamente atraiçoado.
É, na segunda parte da Suma de Teologia, que Tomás de Aquino elabora a sua minuciosa ética teológica. É servida pela reelaboração da ética filosófica aristotélica, com banhos de Santo Agostinho e de outros Padres da Igreja. Importa-me realçar, para o objectivo desta crónica, que essa longa construção é precedida de cinco questões dedicadas, exclusivamente, à investigação das exigências e dos obstáculos para aceder à felicidade perfeita [1]. As evangélicas bem-aventuranças anunciam as condições para atingir essa plenitude. Os trabalhos e os gemidos da história humana, para alcançar novos céus e nova terra, são todos por causa da alegria.
S. Paulo sublinhou esta situação de modo dramático: “Bem sabemos como toda a criação geme e sofre as dores de parto até ao presente. Não só ela. Também nós, que possuímos as primícias do Espírito, nós próprios gememos no nosso íntimo, aguardando a adopção filial, a libertação do nosso corpo.” [2]
Como crescemos no tempo, vivemos no reino da imperfeição, da “alegria breve”, como diz Virgílio Ferreira. No mesmo dia, podemos passar da alegria à tristeza e do medo à esperança [3].