Gafanha da Encarnação - Costa Nova do Prado
quinta-feira, 15 de outubro de 2020
RECORTES: Mia Couto
Do romance Jesusalém
Livro Um
A HUMANIDADE
Sou o único homem a bordo do meu barco.
Os outros são monstros que não falam,
Tigres e ursos que amarrei aos remos,
E o meu desprezo reina sobre o mar.
[…]
E há momentos que são quase esquecimento
Numa doçura imensa de regresso.
A minha pátria é onde o vento passa,
A minha amada é onde os roseirais dão flor,
O meu desejo é o rastro que ficou das aves,
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.
Sophia de Mello Breyner Andresen
domingo, 11 de outubro de 2020
Nada de novo. Tudo novo
Crónica de Bento Domingues no PÚBLICO
A nova encíclica de Bergoglio é um grito brutal.
Quanto ao seu poder mobilizador, é o que ainda não sabemos.
1. Pode parecer estranho, mas a questão política tornou-se inseparável da fidelidade à memória cristã mais antiga.
Creio que foi de um de poeta brasileiro que li, há muito anos, uma brevíssima narrativa sobre a insuportável visão de um crucificado. Manuel Bandeira nunca podia entrar em casa sem dar com os olhos nesse horror. Teve, várias vezes, a tentação de descrucificar aquela imagem. No momento em que ia executar esse gesto libertador, recuou: enquanto houver vidas humanas crucificadas, não posso arrancar da cruz a vítima inocente, condenada por uma coligação dos poderes de dominação das nações gentias e dos povos de Israel, executada com declarado apoio popular. É assim que se lê nos livros mais santos da humanidade [1].
Por outro lado, segundo S. Paulo, foi também, desde o começo do movimento cristão, que se tentou eliminar essa memória vergonhosa. Era, com efeito, uma estupidez e uma loucura, tanto para a cultura grega como para a cultura judaica, no seio do império romano, apresentar como salvador um crucificado, um derrotado, um anti-herói, um condenado à pena de morte mais horrorosa. Não podia ser essa a imagem de um caminho novo para o sentido da vida verdadeira.
Gafanha do Carmo - Mestre Daniel Gonçalves
Figuras da nossa terra

O Mestre Daniel Gonçalves nasceu a 31 de dezembro de 1897, sendo natural da Parada de Cima, que na época pertencia à Freguesia de Covão do Lobo.
Devido às poucas perspetivas de vida que a sua terra natal lhe oferecia, decidiu partir em busca de trabalho na Gafanha, à semelhança de muitos outros compatriotas. O próprio Mestre Daniel, nos primeiros tempos em que esteve na Gafanha do Carmo, ficou alojado em casa de uns tios, que tinham tomado decisão idêntica.
Estes jovens, que rumavam para as Gafanhas, assumiam profissões nos ramos da construção naval e civil e foi pela sua atividade neste sector que o Mestre Daniel será recordado.
Ser construtor civil significava, naquele tempo, especializar-se em várias áreas que o sector exigia, desde produzir materiais, como os adobes, assim como trabalhar a madeira e o ferro, destinados a portões, janelas e portas. O Mestre Daniel Gonçalves tinha mesmo, para este fim, uma oficina devidamente equipada em sua casa.
De referir que esta casa ainda hoje é conhecida como a Casa da Palmeira, devido às duas palmeiras que estavam no jardim. Foi também sede de diversas associações cívicas, culturais e religiosas, em que Daniel Gonçalves participava ativamente, visando sempre a melhoria das condições de vida do povo da Gafanha. Destas destaca-se a Comissão de Melhoramentos da Gafanha do Carmo que muito lutou para que a freguesia tivesse o seu próprio cemitério. Os defuntos tinham de ser enterrados em Ílhavo, causando grandes transtornos às populações, uma vez que a estrada que liga a Gafanha do Carmo à Vista Alegre era um caminho de areia muito difícil de percorrer.
sábado, 10 de outubro de 2020
FRATELLI TUTTI. 1
Crónica de Anselmo Borges
no Diário de Notícias
Bom Samaritano, 1849, Eugène Delacroix
Há sombras negras que pairam no horizonte,
obrigando a pensar e a exigir que se mude de rumo
1. “FRATELLI TUTTI” (irmãos todos) é o título da nova encíclica do Papa Francisco, abrindo horizontes novos para a Humanidade mergulhada numa profundíssima crise global. Cita Francisco de Assis escrevendo aos seus irmãos e irmãs para lhes propor uma forma de vida segundo o Evangelho, convidando-os a um amor que ultrapassa as barreiras da geografia e do espaço: feliz quem ama o outro, “o seu irmão que está longe ou que está perto”. Inspira-se, pois, em Francisco de Assis: não é acidental que, publicada com a data de 4 de Outubro, a tenha ido assinar na véspera sobre o seu túmulo, em Assis. Não é a única fonte de inspiração: estão também presentes outros líderes espirituais e políticos, como Charles de Foucauld, Martin Luther King, Desmond Tutu, Mahatma Gandhi...
O subtítulo da carta: “Sobre a fraternidade e a amizade social”, explicitado nestes termos: “Entrego esta encíclica social como humilde contribuição para a reflexão, a fim de que, perante as várias formas actuais de eliminar ou ignorar os outros, sejamos capazes de reagir com um novo sonho de fraternidade e amizade social que não se limite a palavras.” Embora partindo das suas convicções cristãs, quer dirigir-se a todas as pessoas de boa vontade, num diálogo sincero e plural, para a realização de um sonho comum de dignificação de todos. “Sonhemos como uma única Humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma Terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos.”
GAFANHA - Água abençoada
À Gafanha, a Verdemilho, a São Bernardo e à Presa eram os passeios que eu mais preferia nas minhas férias de professor de Coimbra.
Quem me levava sobretudo à Gafanha era a água que, taumaturga por excelência, com o seu contacto, com o seu murmúrio, com as suas frescas exalações, me aquietavam brandamente os nervos, mais ou menos fora do ritmo pela continuidade das excitações académicas; e para tal ela não precisava mais do que duma sessão: à primeira vez era logo.»
D. João Evangelista
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