Crónica de Bento Domingues no PÚBLICO
A nova encíclica de Bergoglio é um grito brutal.
Quanto ao seu poder mobilizador, é o que ainda não sabemos.
1. Pode parecer estranho, mas a questão política tornou-se inseparável da fidelidade à memória cristã mais antiga.
Creio que foi de um de poeta brasileiro que li, há muito anos, uma brevíssima narrativa sobre a insuportável visão de um crucificado. Manuel Bandeira nunca podia entrar em casa sem dar com os olhos nesse horror. Teve, várias vezes, a tentação de descrucificar aquela imagem. No momento em que ia executar esse gesto libertador, recuou: enquanto houver vidas humanas crucificadas, não posso arrancar da cruz a vítima inocente, condenada por uma coligação dos poderes de dominação das nações gentias e dos povos de Israel, executada com declarado apoio popular. É assim que se lê nos livros mais santos da humanidade [1].
Por outro lado, segundo S. Paulo, foi também, desde o começo do movimento cristão, que se tentou eliminar essa memória vergonhosa. Era, com efeito, uma estupidez e uma loucura, tanto para a cultura grega como para a cultura judaica, no seio do império romano, apresentar como salvador um crucificado, um derrotado, um anti-herói, um condenado à pena de morte mais horrorosa. Não podia ser essa a imagem de um caminho novo para o sentido da vida verdadeira.





