sábado, 21 de março de 2020

Dia Mundial da Poesia




Poesia depois da chuva

Depois da chuva o Sol - a raça.
Oh! a terra molhada iluminada!
E os regos de água atravessando a praça
- luz a fluir, num fluir imperceptível quase.

Canta, contente, um pássaro qualquer.
Logo a seguir, nos ramos nus, esvoaça.
O fundo é branco - cai fresquinha no casario da praça.
Guizos, rodas rodando, vozes claras no ar.

Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado
antes do Sol, não duvidava agora.)
Ó Tarde virgem, Senhora Aparecida! Ó Tarde igual
às manhãs do princípio!

E tu passaste, flor dos olhos pretos que eu admiro.
Grácil, tão grácil!... Pura imagem da tarde...
Flor levada nas águas, mansamente...

(Fluida a luz, num fluir imperceptível quase...)

Sebastião da Gama


Um livro para este tempo - Uma beleza que nos pertence



Nestes dias de isolamento e recolhimento, não faltarão momentos de silêncios reconfortantes e estimulantes para um dia destes voltarmos à vida normal. José Tolentino Mendonça, poeta e cardeal, abre-nos a porta a novos desafios.

"O silêncio é um caminho. Não basta, por exemplo, estarmos calados para estar em silêncio. Podemos estar calados e o rumor ser ensurdecedor. Há uma qualidade de silêncio que é uma conquista, que é um processo em que nós entramos."

sexta-feira, 20 de março de 2020

A PRIMAVERA ESTÁ DE VOLTA



Por estranho que possa parecer, a primavera chegou. Melhor dizendo, bateu à porta, mas não teve coragem de entrar por causa da chuva. Ou foi o coronavírus que a proibiu de se manifestar ou fomos nós que, a pensar nas consequências do “bicho”, fatais para muitos, nos escondemos em casa. Também admito a hipótese do isolamento a que fomos aconselhados ou obrigados por determinação legal ou por medo de contágio. Ou por tudo o que está a acontecer a nível global com mortes e números aterradores. 
A primavera virá, disso estou certo, mas a alegria não será como dantes, para já. Contudo, ficamos com a certeza de que, mais tarde ou mais cedo, o Covid-19 será vencido.

DEPOIS DA TEMPESTADE VEM A BONANÇA


Depois do descanso imposto pela saúde e pelas circunstâncias, olhei o céu sombrio com chuva miudinha, mas persistente. Se houvesse fogos e secas seria ouro sobre azul, mas chove porque o inverno dita as suas leis. Rua deserta ou quase. Silêncio…Silêncio e as notícias a caírem em catadupa sobre a tristeza de não se vislumbrar o fim à vista do drama que se abateu impiedoso sobre o mundo. 
Os números não enganam ninguém e deixam-me a pensar sobre o que ainda estará para vir. Desde menino que ouço o ditado com a garantia de que “Depois da tempestade vem a bonança”. Por isso, vou/vamos acreditar que assim será.

A CAMINHO DA PÁSCOA - JESUS QUER ABRIR-ME OS OLHOS

Reflexão de Georgino Rocha

O cego de nascença encontra-se nos caminhos da missão de Jesus. Jo 9, 1-41. Constitui um símbolo de todos nós que, de um modo ou de outro, sofremos da falta de visão, não “enxergamos” o sentido humano da vida, não reconhecemos nos outros o próximo semelhante, não consideramos os bens da terra a defender como pertença de toda a humanidade, não apreciamos a nossa relação filial com Deus e, a partir d’Ele, a dignidade própria de cada pessoa.
“No cego de nascença e nas atitudes das várias personagens do evangelho personificam-se as diversas cegueiras da vida”, afirma J. L. Saborido, comentador da revista Homilética. 
Jesus quer libertar-nos da cegueira que fecha todos estes círculos em que nos movemos e agimos, em que crescemos como seres individuais solidários, em que interagimos e humanizamos a convivência em família, sociedade e Igreja. Em que construímos a nossa própria identidade. Que proposta admirável nos faz Jesus. Vale a pena acolhê-la com serena confiança e colaboração responsável. Vale a pena alimentar a fé recebida no nosso baptismo para que mantenha viva e possa crescer e irradiar, já que “o homem vê com os olhos, o Senhor olha com o coração”. Vale a pena viver a situação de alerta que o vírus corona provoca não apenas na saúde, mas na economia e na política, na Igreja e suas instituições, mas nos países mais pobres e nas pessoas mais indefesas. Parece que o mundo está a dar conta de que necessita realmente de uma nova ordem global, em que prevaleça a dignidade humana e bem de todos.

quinta-feira, 19 de março de 2020

UM RAMO DE FLORES SOBRE A NOSSA REGIÃO


VAGA A ORIGEM, FUTURO INCERTO


Ur-Mesopomâmia, talvez a origem...
Talvez a origem dos barcos moliceiros.
Talvez Tartessos dos velhos marinheiros,
Névoas de génese que não me afligem.

Mais me atormenta o porto da viagem,
O passado recente das Gafanhas, Murtosas,
Os painéis e legendas, ingénuos, escabrosas,
Cisnes, patos bravos, maçaricos, miragens.

O chiste, os pés doridos, a vela, a gaivota,
Moliço, maresia, o lodo e o patacho,
Ancinho na lama mole... Mas eu acho
Que tão vária imagem meus sonhos enxota.

Como a um bando de belos flamingos
Tão leves, esbeltos, talvez comendo crico.
E as viagens-miragens passam e eu fico
A cismar no futuro... desses barcos lindos.

O. L. 

Timoneiro, Janeiro de 1989

NOTA: Reedito este poema de O. L., julgo que iniciais do meu amigo Oliveiros Louro, cujos escritos, nomeadamente poemas, bastante aprecio, mas cuja modéstia o leva a guardar nas gavetas a sua arte. 

RECORDANDO O MEU PAI


O meu pai e a minha mãe estão sempre presentes na minha vida. Nem podia ser de outro modo. Deles recebi tudo o que sou. Hoje, porém, falo apenas do meu pai, neste dia dedicado a São José, o pai adotivo de Jesus. De São José sabemos pouco, mas cultivamos a ideia de que era um homem bom, justo e carinhoso com seu filho e esposa. Trabalhador e atento às necessidades da família. Meu pai também foi assim. 
O meu pai, Armando Lourenço Martins, mais conhecido por Armando Grilo, ficou órfão de pai aos 12 anos. O meu avô Manuel Martins faleceu com 46 anos de diabetes, doença que dele herdei, deixando cinco filhos — quatro rapazes e uma menina. Todos tiveram de se fazer à vida, que os tempos não eram de fartura. A minha avó, Maria de Jesus Lourenço (Briosa, de alcunha), não teria grandes meios para o sustento dos filhos. Contudo, todos constituíram família e viveram bem. Deles retenho na minha memória a bondade, a honestidade e o amor ao trabalho. 
O meu pai passou pelas marinhas de sal, em menino, e cedo foi para a pesca do bacalhau. Teria uns 15 anos. E foi essa dureza de vida que o fez homem honrado, trabalhador e dedicado à família. Nunca o vi revoltado nem violento. Pelo contrário, sempre foi compreensivo e respeitador, mas não descurava a defesa da justiça, enquanto promovia a generosidade e a cultura dos afetos. E quando a minha mãe ralhava comigo e com o meu saudoso irmão, que já está com ele no seio de Deus, o meu pai tinha o dom especial de apaziguador. 
O meu pai faleceu no dia 26 de fevereiro de 1975 com 61 anos. Um enfarte traiu-o. Resistiu cerca de um mês, mas à época a cura era muito difícil. Nunca o tinha visto doente. Confesso que acreditei na sua capacidade de resistência, mas a sua partida para Deus tornou-se inevitável. 
Diariamente, vinha à minha casa. Os quintais eram contíguos. Com chuva ou sol, vinha sempre. Cigarro na boca... o seu vício talvez tenha contribuído para a sua morte.  Era um homem tranquilo. Com os netos brincava e ria-se a bom rir. Falava o essencial e ajudava quando era preciso. Ficava feliz quando tal acontecia. 
No meu dia a dia, espero por ele a caminhar sereno através do meu quintal. Vou à janela e lá vem ele. Sorriso franco e a pergunta: — Onde é que está a malta? 

Fernando Martins