Anselmo Borges |
1. Um dia, num debate, perguntei ao eurodeputado Paulo Rangel sobre a crítica e até hostilidade à Igreja Católica, também no meio político, a nível europeu. Ele respondeu que essa crítica existe e que a hostilidade se estende também à Igreja ortodoxa, menos às Igrejas protestantes. Mas sublinhou: “Nunca ouvi alguém dizer mal de Jesus”.
Jesus é uma das figuras “decisivas, determinantes”, da História, como sublinhou o grande filósofo Karl Jaspers. Penso mesmo que é, quando se pensa fundo, a figura mais revolucionária. A partir da revelação de que Deus é Amor e de que todos os seres humanos valem para Deus, a ponto de o critério último que decide da salvação definitiva ser determinado pelo que se faz pelos outros nas necessidades mais imediatas, porque é a Deus, mesmo sem o saber, que se faz — “destes-me de comer, de beber, vestistes-me, foste ver-me ao hospital e à cadeia... —, independentemente do sexo, género, religião, cor, etnia, opção filosófica ou política, foi germinando a ideia da igual dignidade de todos.
Os grandes pensadores tiveram consciência disso. O próprio conceito de pessoa apareceu no contexto dos debates teológicos à volta da compreensão da pessoa de Jesus. Hegel reflectiu bem que a consciência da liberdade, da igualdade e da dignidade veio ao mundo pelo cristianismo. Ouvi o filósofo ateu Ernst Bloch declarar: “Nenhum ser humano pode ser tratado como gado, e isso sabemo-lo pelo cristianismo”. Também escreveu: Jesus agiu como um homem “pura e simplesmente bom, algo que ainda não tinha acontecido”. Jürgen Habermas, o filósofo vivo mais influente, reflectiu que a democracia, que se expressa em eleições livres com igual valor dos votos — “um homem, um voto” —, é a transposição para a política da ideia cristã de que cada homem e cada mulher são filhos de Deus. A liberdade, a igualdade, a fraternidade assentam no Evangelho. Aliás, a consciência dos direitos humanos e a sua proclamação deram-se em contexto judaico-cristão. Onde é que nasceu a Declaração dos Direitos Humanos? Foi na China? Foi na Arábia? Mesmo se, desgraçadamente, foi e vai sendo preciso impô-la também à própria Igreja enquanto instituição... Mahatma Gandhi deixou estas palavras: Jesus “foi um dos maiores mestres da Humanidade.” “Não sei de ninguém que tenha feito mais pela Humanidade do que Jesus. De facto, nada há de mau no cristianismo.” Mas acrescentou: “O problema está em vós, os cristãos, pois não viveis em conformidade com o que ensinais.” E tem razão.