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Georgino Rocha |
Jesus é recebido por uma grande multidão que o aguardava após a travessia do Lago de Tiberíades. Enquanto se detém à beira-mar, chega Jairo, chefe da sinagoga local. Vem muito aflito. A sua filha está a morrer. Procura ajuda, a última, pois as outras não haviam resultado. Ao ver Jesus, suplica-lhe com insistência: “Vem impor-lhe as mãos, para que se salve e viva”. E Jesus foi com ele, acompanhado pela multidão que o apertava, afirma a narração de Marcos.
Que cena maravilhosa! Jesus, sem guarda-costas, completamente à vontade, no meio da multidão. A sofrer empurrões de todos os lados. A olhar pessoalmente cada pessoa. A atender as urgências inadiáveis. Sem pensar em si ou na sua comodidade, sem medir perigos nem distâncias. Movia-o a paixão por aliviar o sofrimento humano, por enxugar lágrimas sentidas, por salvaguardar a vida. Que exemplo estimulante nos deixa como legado em herança.
No caminho, acontece o inesperado. A surpresa vem de uma mulher que sofría de fluxos de sangue, de feridas secretas, íntimas. Está “nas últimas”. Havia tentado tudo. Havia gasto o que possuía. E o resultado era nulo. Mas o seu coração não dormia e uma secreta confiança lhe advinha de Jesus de Nazaré de quem ouvira falar. Decidida, lança a aventura, quebrando todas as barreiras: a dos discípulos que rodeavam o Mestre, a das leis higiénicas e religiosas que proibiam o andar no meio das outras pessoas, a comitiva de Jairo que, apressada, guiava Jesus para casa.
A mulher sofrida mostra um proceder humano admirável. Proceder que São Gregório de Nissa, no livro sobre «a perfeição da vida cristã» sistematiza deste modo: “Há três coisas que revelam e distinguem a vida do cristão: a acção, a palavra e o pensamento. Entre estas, vem em primeiro lugar o pensamento; em segundo lugar, vem a palavra, que manifesta e exprime, por meio dos vocábulos, o pensamento concebido e impresso no espírito; depois do pensamento e da palavra, vem a acção, que põe em prática o que o espírito pensou”. Bela síntese que brilha na atitude desta mulher: pensa que pode surgir uma oportunidade; dá-lhe nome pessoalizado; e, depois, age de acordo com o “plano” gizado. É tão rica esta cena que nos vamos deter nos seus elementos principais.