Anselmo Borges |
Na continuidade do seu empenho no diálogo ecuménico em ordem à unidade visível dos cristãos, bem claro nos seus encontros com o Patriarca de Constantinopla, Bartolomeu, a quem chegou a pedir a bênção, com o Patriarca Kirill, de Moscovo, depois de um milénio de costas voltadas, na sua ida a Lund, Suécia, para a inauguração das celebrações dos 500 anos da Reforma, o Papa Francisco, correspondendo a um convite para estar presente na celebração dos 70 anos do Conselho Mundial das Igrejas, esteve no passado dia 21 em Genebra. Uma viagem sob o lema "Caminhar, rezar e trabalhar juntos", apelando a "uma nova primavera ecuménica".
Como nasceu o Conselho Mundial das Igrejas? Para a sua criação teve papel relevante a experiência de conflito na missionação. Por isso, foi importante, em 1910, a Conferência Mundial das Missões de Edimburgo. Em 1920, o Patriarcado ecuménico de Constantinopla propôs a criação de uma "Sociedade de Igrejas", à semelhança da Sociedade das Nações. Em 1937-1938, responsáveis de mais de cem igrejas manifestaram-se favoráveis à criação de um Conselho Ecuménico das Igrejas, tendo a sua concretização sido adiada por causa da Segunda Guerra Mundial. Em 1948, na sequência da Guerra e das experiências que provocou, realizou-se a Assembleia fundadora do Conselho, com 147 membros. Actualmente, o Conselho é constituído por 345 Igrejas ou denominações cristãs de mais de 120 países, com representantes das antigas Igrejas ortodoxas, das Igrejas anglicanas, baptistas, metodistas e também das mais recentes ramificações do protestantismo evangélico, perfazendo na totalidade uns 500 milhões de cristãos. A Igreja católica não se conta entre os seus membros, também porque, ela sozinha, representa mais de metade do cristianismo no mundo, 1200 milhões, mas tem um estatuto de observador e participa na comissão doutrinal Fé e Constituição.
Do lado católico, o Concílio Vaticano II constituiu um salto qualitativo na dinâmica ecuménica. Não se pode esquecer que, como lembrou o teólogo Victorino Pérez Prieto, o Código de Direito Canónico de 1918 proibia a participação dos católicos em qualquer celebração religiosa que não fosse católica e o Papa Pio XI proibiu os católicos de participar no movimento ecuménico. O Concílio Vaticano II quis passar "do anátema ao diálogo", Paulo VI definiu-o mesmo como "o Concílio do diálogo", agindo em consequência: encontrou-se com o Patriarca Atenágoras, levantando as excomunhões mútuas entre Roma e Constantinopla, e foi a Genebra para um encontro com as Igrejas da Reforma. O Concílio afirmou que todos os cristãos são parte da única Igreja de Cristo, como pode ler-se na Lumen Gentium: "A Igreja sente-se unida por vários vínculos com todos os que se honram com o nome de cristãos, por estarem baptizados", e no Unitatis Redintegratio: "Promover a reconstrução da unidade entre todos os cristãos é uma das principais finalidades que o Concílio se propôs, uma vez que única é a Igreja fundada por Cristo Senhor, embora sejam muitas as comunhões cristãs que se apresentam aos homens como herança de Jesus Cristo." Assim, sublinha Victorino Pérez, a interpretação mais clara do texto conciliar, tão debatido, que afirma que a Igreja de Cristo "subsiste na Igreja católica", é que "o facto de que a Igreja subsiste na Igreja católica não significa que subsista só nela, pois subsiste também nas outras". Já não se trata de afirmar que os outros cristãos são irmãos, mas "irmãos separados", o que poderia ainda incluir uma ideologia de conquista. Precisamos de caminhar juntos, não como irmãos separados, mas como "irmãos diferentes", reconhecendo na diferença uma riqueza histórica, espiritual, teológica, que a todos pode e deve enriquecer. A Igreja una assenta na diversidade e não na uniformidade.
Em Genebra, e não só, o Papa Francisco tornou claro que é este novo paradigma ecuménico que o move. Já em Lund dissera "esta palavra fortíssima", como sublinhou o irmão Alois, prior da comunidade de Taizé: "Espírito Santo, concedei-nos reconhecer com alegria os dons que vieram à Igreja pela Reforma." A propósito da visita a Genebra, o mesmo irmão Alois confessou que houve uma expressão do Papa num dos discursos que o tocou profundamente: o ecumenismo é "um grande empreendimento com perdas", que ele interpreta deste modo: "Penso que para viver a unidade devemos estar prontos para perder certas coisas nas nossas Igrejas, não o essencial da fé, evidentemente, mas aceitar que as mesmas verdades da fé se exprimem de modo diferente e que a nossa expressão não é a única válida."
Nesse discurso, o Papa sublinhou que o "mandato missionário" não se reduz a "um humanismo meramente imanente", mas, por outro lado, "a credibilidade do Evangelho" é posta à prova pela resposta dos cristãos aos gritos dos excluídos, concluindo: "Queridos irmãos e irmãs: quis vir aqui, peregrino em busca de unidade e paz. Dou graças a Deus porque aqui vos encontrei, irmãos e irmãs, já a caminho. Para nós, cristãos, caminhar juntos não é uma estratégia para fazer valer mais o nosso peso, mas um acto de obediência ao Senhor e de amor ao mundo." Antes de entrar no avião, de regresso a Roma, deixou estas palavras: "Estamos chamados a fazer as pazes... Não devemos permitir que nada nem ninguém nos impeça que se cumpra este imperativo missionário." E, no avião, aos jornalistas: "Foi uma bela jornada verdadeiramente ecuménica, e, durante o almoço, dissemos uma bela palavra: "No movimento ecuménico devemos deixar cair do dicionário uma palavra: proselitismo." É claro? Não se pode ter ecumenismo com proselitismo." Foi também aí que pediu: "Que os governos acolham, com prudência, os migrantes que possam integrar" e reclamou uma espécie de Plano Marshall para os países mais pobres.
Anselmo Borges no DN