no PÚBLICO
Bento Domingues |
que se ganha o gosto da vida como dom,
a alegria verdadeira."
1. Não fui eu que inventei o título desta crónica. Vem direitinho do Evangelho segundo S. João, com paralelo em S. Lucas, escolhido para ser proclamado na Missa deste Domingo. Quem, dentro ou fora dessa celebração, gastar algum tempo a meditar e a confrontar a sua vida com este texto, absolutamente espantoso, só tem a ganhar. A sua lógica é estranha, mais acertada, porém, do que qualquer outra lógica mundana, religiosa ou eclesiástica.
Começa numa conversa e vai acabar noutra. O contexto já é o da Páscoa judaica: seis dias antes da Páscoa, Jesus foi a Betânia, onde estava Lázaro que Jesus tinha arrancado da morte. Por esse motivo, a família de Lázaro ofereceu um jantar em sua casa. Pelos vistos, os discípulos também foram convidados.
Marta, como de costume, estava a preparar tudo e a servir à mesa. Maria, a irmã, era mais para o louco e foi buscar o melhor perfume para lavar os pés de Jesus. Enxugou-os com os seus cabelos. O seu reconhecimento por ver o irmão vivo era sem medida. Toda a casa ficou perfumada por aquela alegria.
Judas Iscariotes não gostou dessa extravagância. Aproveitou a cena para se mostrar o defensor dos pobres e marcar pontos aos olhos do Mestre: porque não se vendeu este perfume por trezentos denários — eram 300 dias de trabalho normal — para os dar aos mendigos? O narrador observa com malícia: ele disse isto, não porque se preocupasse com os mendigos, mas porque era ladrão e, como tinha a bolsa comum, metia a mão na massa; o “pobre” a beneficiar com a poupança seria ele próprio. Jesus cortou essa conversa e disse algo que teve consequências dramáticas: mendigos tendes sempre entre vós. Esta fala foi usada pelos exploradores para não se tocar nas injustas estruturas da sociedade. Jesus teria consagrado a desordem social. Se lermos bem, descobrimos que essa não era e não é o sentido da fatídica sentença. Verificaremos que Judas estava numa onda e Jesus noutra totalmente diferente. Pobres, desgraçadamente, nunca faltam. O que continua a faltar é a vontade de acabar com as causas da pobreza imposta.