Reflexão de Georgino Rocha
Georgino Rocha |
Como o grão de trigo
O coração humano alberga e alimenta desejos genuínos, especialmente a alegria da festa e o encontro com Jesus, ainda que vagamente figurado. Desejos que afloram mais visivelmente em certas oportunidades como a celebração da Páscoa e a proximidade de pessoas disponíveis e acolhedoras. Desejos que abrem “janelas” por onde pode entrar uma nova luz de esperança e de sentido. Desejos que aspiram a um outro nível de realização, mediante a passagem vital, tão bem expressa, da semente que germina no seio da terra, cresce e dá fruto. Esta é a realidade que se configura na atitude dos gregos que sobem a Jerusalém para a festa e querem ver Jesus, recorrendo a Filipe e André como mediadores. (Jo 12, 20-33).
O Papa Francisco que, nesta semana completou cinco anos como bispo de Roma e pastor da Igreja universal, fez aos cristãos as seguintes perguntas: “Como é o meu desejo? (…) Busco o Senhor? Ou tenho medo, sou medíocre? (…) Qual é a medida do meu desejo? A migalha ou todo o banquete?” Imagens fortes que ficam a interpelar-nos e nos convidam a não sermos cristãos estacionados, acomodados demasiado, a arriscar, a avançar.
O pedido dos peregrinos gregos chega a Jesus que dá uma resposta “estranha”. E não assume qualquer outra atitude directa. Faz um anúncio do futuro que se aproxima. Recorre à metáfora do grão de trigo que, para ser fecundo não pode continuar no celeiro, mas tem de ser lançado à terra e germinar. Assim, acontece com Ele. “Chegou a hora, diz-lhes, em que o Filho do homem vai ser glorificado”. E há-de acontecer com os discípulos, seus servos; connosco, seus amigos. De contrário, ocorre a esterilidade de uma vida vocacionada a ser fecunda, o definhamento de energias ressequidas. E triunfa o egoísmo, a acomodação, a mesquinhez e a estreiteza de horizontes, a indiferença insolidária com o presente e o futuro.
A glória de Jesus brilha no amor de doação definitva consumada na cruz da morte que antecede a aurora feliz da ressurreição. Amor tão grande que não apenas assume livremente os episódios do processo de condenação, mas “inventa” modos originais de ficar connosco, destacando-se o serviço do lava-pés, a celebração da eucaristia ou ceia do Senhor. Amor que anima os seus discípulos guiados pelo Espírito Santo e organizados em Igreja; amor que se faz gestos e atitudes em cada um de nós que queremos ser fiéis ao seu precioso legado.
Santo Inácio de Antioquia, bispo do século II, lembra-nos uma verdade interpelante: “Se tu me dizes: «Mostra-me o teu Deus», eu posso responder-te: «Mostra-me o homem que há em ti, e eu te mostrarei o meu Deus». Mostra-me, portanto, como vêem os olhos da tua mente e como ouvem os ouvidos do teu coração. Os que vêem com os olhos do corpo observam o que se passa nesta vida terrena, e distinguem as diferenças entre a luz e as trevas, o branco e o preto, o feio e o belo, o disforme e o formoso, o proporcionado e o desmesurado, o que tem partes a mais e o que é incompleto – e o mesmo podíamos dizer no que se refere ao sentido do ouvido – os sons agudos, graves, agradáveis. Assim acontece com os ouvidos do coração e os olhos da alma, no que diz respeito à visão de Deus”.
Chegou a hora de ver Deus no seu Filho Jesus. Vê-lo no rumo dos acontecimentos actuais que é preciso discernir; no rosto humano tantas vezes desfigurado; nas correntes humanitárias que tentam suavizar os efeitos nefastos de políticas ideologizadas; no testemunho evangélico de tantos ctistãos e suas comunidades; nas celebrações dominicais, sobretudo da eucaristia; na piedade popular que desvenda segredos da alma humana a necessitarem de mais luz evangélica; na leitura orante da Sagrada Escritura; nos movimentos católicos de intervenção social. Para ver Jesus ressuscitado é preciso viver a fé integral, recebida e alimentada na Igreja em missão. Este clima espiritual exige oração pessoal, familiar e comunitária.
Inspirados no episódio dos gregos na festa da Páscoa, em Jerusalém, podemos rezar: Faz, Senhor, que os teus discípulos reconheçam o teu rosto no rosto dos pobres; dá olhos para ver os caminhos da justiça e da solidariedade; dá ouvidos para escutar os pedidos de salvação e saúde. Enriquece os nossos corações de fidelidade generosa e criativa para que nos façamos companheiros de caminhada e testemunhas verdadeiras e sinceras da glória que esplandece no Crucificado, morto, ressuscitado, glorioso. (A. Della Costa).