Crónica de Frei Bento Domingues
no PÚBLICO
O que atrai os peregrinos é o testemunho
de algo fantástico reconhecido como sagrado
1. Em conversa com um amigo, a propósito da recente avalanche de escritos sobre Fátima, ele defendia que o mais sólido e resistente capital simbólico português do século XX-XXI nasceu de dois fenómenos quase simultâneos e completamente diferentes: o dos heterónimos de Fernando Pessoa e o dos pastorinhos da Cova da Iria. Um é poético e o outro é religioso. A figura mais emblemática e enigmática da Poesia, que goza de um crescente reconhecimento internacional, é Fernando Pessoa. A Religião que atrai milhões, com pretensões a “altar do mundo”, é Fátima.
Essa observação talvez não seja apenas megalomania e nostalgia de um império perdido, mas é uma abordagem que excede os propósitos desta crónica. É verdade que tanto o referido fenómeno poético como o religioso surgiram na mesma época, mas o Desassossego de Fernando Pessoa - reconhecendo que “a vida é uma metafísica às escuras com um rumor de deuses e o desconhecimento da rota como a única via” - nunca tomou o caminho de Fátima e a religião de Fátima nunca se encontrou com a grande Poesia nem com o questionamento metafísico [1].
Seria, no entanto, muito precipitado concluir que o fundo da experiência religiosa seja incompatível com a ciência, a filosofia e a arte. Sobre essa problemática, Einstein pronunciou-se de um modo que merece atenção: