quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Festa da Imaculada Conceição, Rainha de Portugal

8 de dezembro
Nossa Senhora da Conceição
(Esta imagem está no átrio de acesso à torre
da igreja matriz da Gafanha da Nazaré

O dogma proclamado por Pio IX, em 8 de dezembro de 1854, reconheceu que Maria, Mãe de Jesus, foi concebida sem pecado original e cheia de graça, desde o primeiro instante da sua existência. Aliás, este dogma mais não fez do que reconhecer o que durante séculos se  foi impondo à Igreja ao longo dos tempos, sobretudo através dos Franciscanos, a partir de 1263.
Portugal aderiu à referida corrente, manifestando uma grande devoção a esta prerrogativa de Maria, tendo declarado Nossa Senhora da Conceição padroeira do Reino, em 1646, por proposta de D. João IV. A partir dessa decisão, os reis de Portugal nunca mais usaram coroa, tanto  quanto me é dado saber.
A liturgia celebra este mistério com a categoria de solenidade, a 8 de Dezembro, com textos que datam de Pio IX e refletem o clima próprio do Tempo do Advento.
A piedade popular tem grande devoção por Nossa Senhora da Conceição. Na Gafanha da Nazaré chegou a haver uma festa no dia 8 de dezembro, mais dedicada aos bacalhoeiros, que chegou a suplantar a festa da padroeira, Nossa Senhora da Nazaré, talvez pela natural alegria provocada pela chegada dos que andaram a labutar sobre as ondas do mar gelado dos pesqueiros.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Na noite de Natal não havia bacalhau

Manuel Serra (foto do meu arquivo)


Nasci em 1942, em plena II Guerra Mundial, na aldeia da Raseira, freguesia de Liceia, que pertence ao concelho de Montemor-o-Velho. Na altura, a Raseira tinha 50 ou 60 habitantes. Agora tem 10 ou 20. Éramos cinco irmãos e estávamos numa zona pobre, que tinha de produzir da terra quase tudo o que consumia. O meu pai era carpinteiro e por vezes tínhamos alguns tostões para comprar algo mais. O mar ficava a 20 quilómetros, na Figueira da Foz, mas era como se fosse no fim do mundo. Não havia eletricidade nem gás. Água, era a da fonte para beber e do poço para regar. Embora Portugal não tivesse entrado na II Guerra Mundial, sofríamos os racionamentos. As pessoas tinham de ter um pinhal para ter lenha, uma terra de arroz, um olival, uma terra com nabos, couves e batatas... Em casa tinham alguns animais: galinhas para dar ovos – não se comia galinha – e o porco que se matava antes do Natal.

Festa da Imaculada Conceição

Reflexão de Georgino Rocha



FAÇA-SE EM MIM SEGUNDO A TUA PALAVRA


A disponibilidade de Maria é total, e incondicional a sua entrega. Que educação lhe deram os pais e que resposta foi ela desenvolvendo ao longo dos anos. Certamente que Deus “andava” por ali a preparar o futuro: a encarnação do Seu Filho. Após uma saudação que a felicita pela graça alcançada e um diálogo que lhe desvenda a densidade do futuro próximo, o seu “sim” é pleno e definitivo, alegre e confiante. Lc 1, 26-38
O episódio tem lugar em Nazaré, aldeia da Galileia com uns cem habitantes. O protagonista é o anjo do Senhor que vem a casa de Joaquim e de Ana. A mensagem expressa-se no convite para ser mãe de Jesus, o Filho do Altíssimo. O ambiente deixa “respirar” simplicidade, e o silêncio faz pressentir a sublimidade do acontecimento. O interlocutor é uma jovem virgem em estado singular: já não “pertence” à família por estar “comprometida” com José, nem ao esposo e seus familiares por ainda não terem celebrado publicamente a boda ritual. Tudo ocorre no espaço onde Maria se encontra, na vida fecunda do lar onde se cultivam as mais nobres tradições e forjam os grandes ideais. Deus inclina-se para ela e para todos os que encontra disponíveis.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

O Natal não é ornamento




"O Natal não é ornamento: é fermento
É um impulso divino que irrompe pelo interior da história
Uma expectativa de semente lançada
Um alvoroço que nos acorda
para a dicção surpreendente que Deus faz
da nossa humanidade

O Natal não é ornamento: é fermento
Dentro de nós recria, amplia, expande

O Natal não se confunde com o tráfico sonolento dos símbolos
nem se deixa aprisionar ao consumismo sonoro de ocasião
A simplicidade que nos propõe
não é o simplismo ágil das frases-feitas
Os gestos que melhor o desenham
não são os da coreografia previsível das convenções

O Natal não é ornamento: é movimento
Teremos sempre de caminhar para o encontrar!

Entre a noite e o dia
Entre a tarefa e o dom
Entre o nosso conhecimento e o nosso desejo
Entre a palavra e o silêncio que buscamos
Uma estrela nos guiará
O Natal não é ornamento"


José Tolentino Mendonça

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Natal não pode ter fim




Com a chegada de dezembro, o Zé Maria era outro. Mais alegre, mais comunicativo, mais solidário, mais delicado. Todo ele era disponibilidade para os outros, conhecidos e desconhecidos. Em casa, no trabalho, na rua, no café. E muitos estranhavam esta mudança brusca num homem humilde, sempre tão preocupado com o trabalho e com a família. Fui um deles. 
— O que é que se passa, Zé Maria? Saiu-te o Totoloto? Foste promovido na empresa? Andas tão diferente…
— Nada disso — respondeu-me, com um sorriso aberto e franco. — O Natal mexe comigo. Basta ouvir as melodias natalícias, ver os enfeites das ruas, apreciar os presépios das montras ou… simplesmente recordar-me da festa da família que a quadra nos lembra. 
O Zé Maria fazia parte do grupo sem fim dos “católicos não praticantes”. E disse-mo um dia em que conversámos, como velhos amigos da infância. Ainda lhe retorqui que isso de “católicos não praticantes” me custava aceitar. E até acrescentei que seria interessante ver um mecânico não praticante, na oficina em que ele trabalhava como especialista de motores diesel.

domingo, 4 de dezembro de 2016

Semeadores de mudança: poetas sociais (1)

Crónica de Frei Bento Domingues 



1. Falar e escrever para calar os outros era uma tradição papal que João XXIII interrompeu. O exemplo não vingou, mas o Papa Francisco tem gosto em acolher, ouvir e partilhar a palavra seja com quem for, seja onde for. Não aceita que a Doutrina Social da Igreja continue a ser apenas a voz dos Papas.
No passado dia 5 de Novembro, Bergoglio acolheu, em Roma, o 3º Encontro dos Movimentos Populares. No anterior, realizado na Bolívia, ficou claro que sem transformar as estruturas não é possível vida digna para as populações. A luta continua e entusiasma o argentino: “Vós, movimentos populares, sois semeadores de mudança, promotores de um processo para o qual convergem milhões de pequenas e grandes acções interligadas, de modo criativo, como numa poesia. Foi por isso que vos quis chamar poetas sociais”.
O ritmo dessa poesia é marcado pelos passos da caminhada rumo a uma alternativa humana face à globalização da indiferença: 1. pôr a economia ao serviço dos povos; 2. construir a paz e a justiça; 3. defender a Mãe Terra.
O discurso do papa é longo e multifacetado[1]. É uma antologia da vida dos movimentos populares na resistência à tirania. Esta alimenta-se da exploração do medo e do terror. Os cidadãos que ainda conservam alguns direitos são tentados pela falsa segurança dos muros físicos ou sociais. Muros que prendem uns e exilam outros. De um lado, cidadãos murados, apavorados; do outro, os excluídos, exilados, ainda mais aterrorizados. Será esta a vida que Deus, nosso Pai, deseja para os seus filhos?

sábado, 3 de dezembro de 2016

Presépio Simples


Presépio Simples

Acabo de reunir-me.
Sou uma gruta de silêncio e sombra.

Co’a vida, musgo suave,
pedra real e quimera,
um anjo grave
(longos dedos, voo de ave!)
faz um berço e uma espera…

Nos horizontes brumosos
resvalam os séculos vagarosos…

Cai na neve e no silêncio
a flor do Tempo.
Dobram os ramos cimeiros
árvores, céus à terra vil.
Chegam os reis e os cordeiros
(o palácio é um redil!)
e nasce Deus!

(Écloga impossível)
João Maia 

In "Anunciação e Natal na Poesia Portuguesa",
Antologia de António Salvado