Um texto póstumo de Ângelo Ribau
“Valha-nos Deus, que já não será sem tempo”
“Valha-nos Deus, que já não será sem tempo”, pensava eu, “ao menos aquelas temperaturas tórridas, a que não faltava sequer a falta de vento irão acabar. Oxalá o meu pai também acerte desta vez!”
Assim foi. Passados que foram cerca de dois dias, logo se notou pela manhã a temperatura a refrescar. O dia já foi menos quente e pela tarde, ao regressarmos a casa, chegados à “boca” do Esteiro dos Frades, foi dada ordem de içar a vela, que puxada pela “ustaga” se fez chegar ao cimo do mastro. Orientada pela escota de acordo com a direção do vento, lá ia a bateira em direção ao seu ancoradouro, junto à seca do Egas. O marnoto, sentado no “cagarete”, governava a bateira e ia orientando a vela, puxando ou largando a escota, que era presa na borda de sotavento. Com vento fresco a viagem era rápida e o esforço praticamente nulo. Era só içar a vela e arreá-la ao chegar ao ancoradouro.
Com a falta de temperaturas muito elevadas a produção de sal ia lentamente baixando. Mas, mesmo assim, trabalho nunca faltava. Os tabuleiros onde o sal escorria, para depois ser transportado para o monte, os “machos” por onde passávamos com as canastras cheias de sal, não eram mais lama dura. O sal tinha-se entranhado na lama e aqueles locais eram autênticas máquinas de lixar as solas dos pés. Só quem andou naquela vida pode fazer uma ideia correta dos sacrifícios que o pessoal das marinhas passava.


