«Porque há várias religiões? "Deus faz-se sentir no coração de cada pessoa. Também respeita a cultura dos povos. Cada povo vai captando essa visão de Deus, tradu-la de acordo com a cultura que tem e vai elaborando, purificando, vai-lhe dando um sistema."»
Anselmo Borges
Qual é o determinante da religião, de tal modo que se pode garantir que ela vai ter sempre futuro? "Quando queremos ser sensatos, sinceros com aquilo que sentimos, manifesta--se uma inquietação profunda face ao Transcendente." Essa inquietação, que é "inerente à natureza humana", "chega mesmo a aparecer em pessoas que não ouviram falar de Deus ou que tiveram nas suas vidas posições antirreligiosas ou imanentistas e que, de repente, se deparam com algo que as transcendeu. Enquanto essa inquietação existir, existirá a religião, haverá formas de religação a Deus". A religião autêntica está em busca permanente. Por isso, uma religião puramente ritualista está destinada a morrer: enche-nos de ritos, mas "deixa--nos um vazio no coração".
A procura religiosa não terminou, continua forte, também em movimentos populares de piedade, "maneiras de viver o religioso de forma popular". O que está é "um pouco desorientada, fora das estruturas institucionais". O desafio maior para os líderes religiosos é o de "uma atracção através do testemunho", excluindo o proselitismo. É preciso procurar a autenticidade, mas, "quando isso significa apenas o prescritivo, cumprir regras, cai-se num purismo que também não é religioso".
Porque há várias religiões? "Deus faz-se sentir no coração de cada pessoa. Também respeita a cultura dos povos. Cada povo vai captando essa visão de Deus, tradu-la de acordo com a cultura que tem e vai elaborando, purificando, vai-lhe dando um sistema."
A relação religiosa autêntica implica um compromisso: "É necessário envolvermo-nos no mundo, mas sempre com base na experiência religiosa", evitando o risco de "agir como uma ONG". Quem acredita em Deus tem, nessa experiência, uma missão de justiça para com os seus irmãos, "uma justiça criativa, porque inventa coisas: educação, promoção social, cuidados, alívio, etc."
A fé tem de dialogar com a cultura. Mais: deve "criar cultura", uma cultura diferente das "culturas idólatras" da nossa sociedade: "o consumismo, o relativismo e o hedonismo são exemplo disso". "Uma fé que não se torna cultura não é uma verdadeira fé." Também dialoga - Bergoglio é químico - com a ciência, que, "dentro da sua autonomia, vai transformando incultura em cultura", devendo estar atenta, pois "a sua própria criação pode escapar-lhe das mãos".
A globalização a defender tem de ser "como a figura de um poliedro, onde todos se integram, mas cada um mantém a sua peculiaridade, que, por sua vez, vai enriquecendo os outros". "A globalização que uniformiza é essencialmente imperialista e instrumentalmente liberal, mas não é humana."
Defende o Estado laico: "A convivência pacífica entre as diferentes religiões vê-se beneficiada pela laicidade do Estado, que, sem assumir como própria nenhuma posição confessional, respeita e valoriza a presença do factor religioso na sociedade."
Apontou o ecumenismo como uma das prioridades do seu pontificado: "Desejo assegurar a minha vontade firme de prosseguir com o diálogo ecuménico." Continuará igualmente o diálogo inter-religioso: "A Igreja Católica é consciente da impor-tância que tem a promoção da amizade e do respeito entre homens e mulheres de diferentes tradições religiosas. Quero repetir: promoção da amizade e do respeito entre homens e mulheres de diferentes tradições religiosas." Como sinal disso, enviou uma mensagem pessoal aos muçulmanos, por ocasião do fim do Ramadão, advogando "o respeito mútuo", pondo fim às "críticas e difamações" por parte das duas religiões.
O diálogo é activo e exerce-se de múltiplos modos. A Igreja Católica "também é consciente da responsabilidade de todos pelo nosso mundo, pela criação inteira, que devemos amar e guardar. E podemos fazer muito pelo bem dos mais pobres, dos mais débeis, dos que sofrem, para promover a justiça e a reconciliação, para construir a paz. Mas, acima de tudo, devemos manter viva no mundo a sede de absoluto, não permitindo que prevaleça uma visão da pessoa humana unidimensional, segundo a qual o ser humano se reduz ao que produz e ao que consome: trata-se de uma das ciladas mais perigosas do nosso tempo".
Anselmo Borges
Li no DN